A palavra “família” banalizou-se de tal forma no nosso dia-a-dia, tão corrente é na literatura, seja ela erudita ou popular, que temos dificuldade em recensear todas as suas ocorrências. Esta polissemia constitui, sem dúvida, um bom testemunho das mutações que ao longo da história sofreu a instituição que o termo denomina. A palavra latina, “familia”, aparece em Roma como derivada de “famulus” (servidor), mas não se aplicava então ao que habitualmente entendemos pelo termo. «Designava-se por familia o conjunto dos escravos e servidores vivendo sob um mesmo tecto (…); depois, toda a “casa” - senhor, por um lado, mulheres, filhos e servidores vivendo sob o seu domínio, por outro (…). Depois, por extensão de sentido, “familia” passou a designar os “agnati” e os ”cognati”, tornando-se, pelo menos na linguagem corrente, sinónimo de “gens”» (…) “Casa”, conjunto dos indivíduos que vivem sob o mesmo tecto; ”gens”, comunidade formada por todos os descendentes de um mesmo antepassado; “agnati”, os parentes paternos; “cognati”, os maternos e, por extensão, o conjunto dos consanguíneos – todas estas unidades parentais reunimo-las nós hoje sob o vocábulo “família”. Acontece, porém, que cada um destes círculos de pertença apresenta extensões variáveis consoante o lugar e a época, os grupos sociais e as circunstâncias. Da multiplicidade de formas e designações que tais entidades sociais assumem, transformando-se e perdurando nas grandes civilizações ocidentais e orientais, dão-nos conta os textos incluídos na presente obra. Se outros não houvesse, esses testemunhos bastariam para nos convencer de que sempre e em toda a parte existiram agrupamentos familiares sob variadíssimas formas, podendo este ou aquele assumir um papel mais ou menos fundamental na organização das leis orais e escritas que governam, ou governaram, as sociedades em questão.
Françoise Zonabend, in «História da Família»