Na sequência dos trágicos acontecimentos de Paris, com a chacina no jornal satírico Charlie Hebdo, José Tolentino Mendonça escreveu na edição deste fim-de-semana do semanário Expresso, um dos mais notáveis, criativos, lúcidos e, para mim, inesperados textos que tive ocasião de ler a propósito dos limites que devem ou não ser impostos à liberdade de expressão. Indispensável para compreender a diferença essencial - e, nalguns casos, aprender a distinguir - entre criticar e proibir (ou reprovar) quem pensa diferente de nós: «O semanário “Charlie”, há que reconhecer”, pratica muitas vezes um humor exagerado e grotesco. Grande parte das imagens que produz são impublicáveis pelos jornais ditos de referência, pois criaria um motim entre os leitores. Contorna estimáveis convenções e estilhaça os limites do bom gosto. Mas a sua força vem precisamente de habitar essa incómoda e inapagável, feita de dissonância, de heterodoxia e inclusive de blasfémia, onde, há que dizê-lo também, a liberdade das sociedades e dos indivíduos se exprime.
No seu ensaio sobre o riso, Henri Bergson explica isso bem. O riso é incompatível com a emoção, ele dirige-se antes à inteligência. Precisamos de conseguir separar ambas as coisas para colher o cómico da situação. E qual é a vantagem disso? (…) É finalmente conseguirmos perceber aquilo que em nós e nos outros é o alvo natural da sátira: a rigidez que nos captura quase sem darmos conta. O mais fácil de satirizar em nós é sempre o que nos torna surdos à realidade, prisioneiros da ficção de nós mesmos; é a nossa comédia de enganos, com os seus tiques e trejeitos, as suas atoardas que se pretendem o idioma da verdade; é o nosso caminho ostentado sem qualquer preocupação de contacto com os outros, que rapidamente se pontilha de automatismo e preconceito. Reconhecer o ridículo é a forma mais ágil de sair dele, mas essa não é uma decisão nem espontânea, nem indolor. O riso não é uma consolação, nem uma terapia fácil de seguir para ninguém.» Quanto a mim, não deixarei de reconhecer a importância e estarei sempre com quem, usando o riso sem limites, dedica o seu tempo a avisar-nos desses perigos.