a dignidade da diferença
15 de Março de 2013

 

 

Desenhada aparentemente nos intervalos do silêncio, a poesia ilustrada de Maria Sousa encontra na justa medida de uma frase, no murmúrio de um verso, a silhueta do seu perfil melancólico, refugiado entre gestos de ternura e movimentos de uma serena amargura. No segundo livro da poetisa (emoldurado por uma deliciosa capa retro e descodificado pelo prefácio de  Pedro Santo Tirso, os quais não deverão ser menosprezados) perdura uma fortíssima relação com a natureza - cujo cheiro a terra, a que o vento, o frio e a chuva deram voz, se assemelha ao sentido poético de I Know Where I’m Going, esse extraordinário e mítico filme da dupla Powell/Pressburger -, fixando, nas paisagens agridoces que habitam a gramática dos poemas, as emoções, os desejos e as confissões sussurradas pela autora, compilados num esboço rejuvenescido do seu universo real de memórias, cores e pequenas sombras. Uma belíssima maneira de enganar as rugas do tempo.

03 de Fevereiro de 2013

 

 

The Coming of Wisdom with Me

Though leaves are many, the root is one;

Through all the lying days of my youth

I swayed my leaves and flowers in the sun;

Now I may wither into the truth.

 

Com o Tempo a Sabedoria

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;

Ao longo dos enganadores dias da mocidade,

Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;

Agora posso murchar no coração da verdade.

 

W. B. Yeats, Poemas, Tradução: José Agostinho Baptista. 

02 de Dezembro de 2012

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 12:59 link do post
20 de Outubro de 2012

 

 

Com a morte de Manuel António Pina (1943-2012), o edifício da poesia portuguesa perdeu um dos seus alicerces mais sólidos, valiosos e profundos. Manuel António Pina foi autor de uma obra assaz escassa que foi melhorando com a idade, cuja escrita fina sintetizou admiravelmente a sua posição desencantada sobre o mundo, o prazer na construção de jogos de palavras labirínticos - que procurava ajudar depois a decifrar -, o seu olhar reflexivo, inquiridor e melancólico sobre as pessoas e o espaço que as rodeia, e uma permanente oposição entre conhecimento e esquecimento, não raras vezes esculpida em talhadas de humor e inconformismo. Em suma, uma criação literária densa, de assinalável inquietação e sobriedade, irreverente, telúrica, incómoda, terrível até, sobretudo quando se confronta com a doença e o inevitável envelhecimento; a qual se expandiu numa forma ímpar e inventiva de descrever o mundo, justamente premiada com o Prémio Camões, cuja substância e riqueza estilística mereciam mais que um pequeno texto incapaz de o homenagear satisfatoriamente.

 

 

 

O Regresso

 

Como quem, vindo de países distantes fora de

si, chega finalmente aonde sempre esteve

e encontra tudo no seu lugar,

o passado no passado, o presente no presente,

assim chega o viajante à tardia idade

em que se confundem ele e o caminho.

 

Entra então pela primeira vez na sua casa

e deita-se pela primeira vez na sua cama.

Para trás ficaram portos, ilhas, lembranças,

cidades, estações do ano.

E como agora por fim um pão primeiro

sem o sabor de palavras estrangeiras na boca.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 11:44 link do post
16 de Junho de 2012

 

 

«Há no mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que vão ao Museu do Louvre e passam rapidamente, e sem lhes dispensar um olhar, diante de uma imensidade de quadros muito interessantes ainda que de segunda ordem, mas que depois se postam sonhadoramente diante de um Ticiano ou der um Rafael, um desses que a gravura mais popularizou; então, saem satisfeitas, e há algumas que dizem: "Eu cá conheço o meu museu." Existem também aqueles que, tendo lido em tempos Bossuet e Racine, se julgam senhores da história da literatura. Felizmente, surgem de tempos a tempos justiceiros, críticos, amadores, curiosos que afirmam que não está tudo em Rafael, que não está tudo em Racine, que os poetæ minores têm algo de bom, de sólido e delicioso; e, enfim, que, por tanto se amar a beleza geral, que é expressa pelos poetas e artistas plásticos, não deixa de ser um erro não ligar à beleza particular, à beleza de circunstância e à marca dos costumes. Devo dizer que o mundo, há vários anos, se corrigiu um pouco. O valor que os amadores atribuem hoje às amabilidades gravadas e coloridas do século passado prova que se deu uma reação no sentido do que o público precisava; Debucourt, os Saint-Aubin e muitos outros entraram no dicionário dos artistas dignos de estudo. Mas esses representam o passado; ora, é à pintura dos costumes do presente que me quero dedicar hoje. O passado é interessante não apenas pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem ele era o presente, mas também como passado, pelo seu valor histórico. O mesmo se passa com o presente. O prazer que retiramos da representação do presente provém, não só da beleza de que pode revestir-se, mas ainda da sua qualidade essencial de presente.»

A Invenção da Modernidade, tradução de Pedro Tamen

10 de Março de 2012

 

 

«Whitman é um dos poetas que mais me impressionaram em toda a minha vida. Penso que há uma tendência para confundir o Sr. Walt Whitman, o autor de Folhas de Erva, com Walt Whitman, o protagonista de Folhas de Erva, e aquele Walt Whitman dá-nos menos uma imagem e mais uma espécie de ampliação do poeta. Em Folhas de Erva, Walt Whitman escreveu uma variedade de épica cujo protagonista era Walt Whitman – não o Whitman que escrevia, mas o homem que ele gostaria de ter sido. É claro que não digo isto em desfavor de Whitman, pois a sua obra não deve ser lida como constituindo as confissões de um homem do século XIX, mas, antes, como uma épica sobre uma figura imaginária, uma figura utópica que é, em certa medida, uma ampliação e uma projeção do escritor, bem como do leitor.

 

 

Está lembrado que em Folhas de Erva o autor funde-se várias vezes com o leitor e, é claro, isto expressa a sua teoria da democracia, a ideia de que um só e único protagonista pode representar toda uma época. A importância de Whitman nunca é destacada em demasia. Mesmo se tivermos em conta os versículos da Bíblia ou de Blake, podemos afirmar que Whitman foi o inventor do verso livre. Ele pode ser visto de duas maneiras: há o seu lado cívico – o facto de que ficamos cientes da existência de multidões, de grandes cidades e da América -, e há também um elemento íntimo, embora não possamos ter a certeza sobre se ele é genuíno ou não. A personagem que Whitman criou é uma das mais cativantes e memoráveis de toda a literatura. É uma personagem como Dom Quixote ou Hamlet, mas não é menos complexa do que eles, e possivelmente é mais cativante do que qualquer deles.»

Harold Bloom, O Cânone Ocidental, tradução: Manuel Frias Martins

 

23 de Novembro de 2011

 

 

«William Butler Yeats era, exclusivamente, um poeta que escreveu em sintonia com a dinâmica transformadora do seu tempo, mas por caminhos de incontestável originalidade, fundando um estilo dramático de enorme teor musical e conduzindo a poesia para uma zona iluminada de reflexão, onde os universos religioso, político, afectivo e filosófico surgem transfigurados pela magia da palavra, como simples elementos constituintes da perturbadora alquimia do ser.»

Laureano Silveira

 

The Choice

 

The intellect of man is forced to choose

Perfection of the life, or of the work,

And if it take the second must refuse

A heavenly mansion, raging in the dark.

 

When all that story’s finished, what’s the news?

In luck or out the toil has left its mark:

That old perplexity an empty purse,

Or the day’s vanity, the night’s remorse.

 

 

A Escolha


O intelecto do homem é forçado a escolher

A perfeição da vida, ou do trabalho

E se escolhe a segunda tem de recusar

Uma mansão celeste, enfurecendo-se em segredo.


Quando tudo acabar, o que haverá de novo?

Com sorte ou sem ela a labuta deixou as suas marcas:

Essa velha perplexidade é a bolsa vazia,

Ou a vaidade do dia, o remorso da noite.

(Tradução: Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira)

 

13 de Julho de 2011

 

 

Às vezes tenho ideias, felizes,

Ideias sùbitamente felizes, em ideias

E nas palavras em que naturalmente se despegam...

 

Depois de escrever, leio...

Porque escrevi isto?

Onde fui buscar isto?

De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...

Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta

Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...

 

Poesias de Álvaro de Campos, heterónimo de Fernando Pessoa, engenheiro naval (por Glasgow) - estudou primeiro engenharia mecânica -, mas inactivo em Lisboa. Alto, magro, de cara rapada - como, aliás, Alberto Caeiro e Ricardo Reis - cabelo liso e monóculo. Segundo uma carta escrita por Fernando Pessoa e dirigida a Adolfo Casais Monteiro, Álvaro de Campos «escrevia razoàvelmente mas com lapsos como dizer "eu próprio" em vez de "eu mesmo", etc».

publicado por adignidadedadiferenca às 22:30 link do post
20 de Abril de 2011

  

 

«Rainer Maria Rilke (1875-1926), poeta de dimensão universal, nascido em Praga quando esta cidade ainda pertencia à Áustria, tendo vindo a morrer na Suíça, ergueu na sua obra maior As Elegias de Duíno a grande sinfonia da sua vida e do seu tempo, percorridos pela inquietação e pela angústia, dilacerados pela I Guerra Mundial, envoltos nas vagas das novas filosofias – Kierkegaard, Nietzsche, Bergson -, atraídos pelas novas descobertas no campo da psicologia humana – Freud – e no campo da ciência e da tecnologia. Se a vida e a morte impressionam profundamente a sua sensibilidade, não menos o fazem o amor e a dor, a alegria e a tristeza. Na genial e dolorosa experiência da escrita de As Elegias de Duíno, Rilke encontra o elo de união entre todas essas realidades diversas e o tom elegíaco, expresso em ritmos livres, dá lugar ao tom elegíaco-hínico, uma vez que o equilíbrio encontrado se exalta e proclama. A amplitude dos versos ora se expande ora se concentra num ritmo mais sincopado que inclui elipses e alterações da estrutura sintáctica. Rilke dá continuidade, nesse tom elegíaco-hínico, à herança de Hölderlin, poeta que lê fascinado e a quem dedica um poema de homenagem em Setembro de 1914, que noutro lugar divulgámos em nova tradução.»

 

Maria Teresa Dias Furtado, introdução a As Elegias de Duíno, Assírio & Alvim.

publicado por adignidadedadiferenca às 23:42 link do post
15 de Fevereiro de 2011

 

Remorso Póstumo

 

Quando um dia dormires, ó bela tenebrosa / No fundo de um jazigo de mármore negro, / E quando só tiveres por alcova ou conchego / Essa fossa vazia, essa cova chuvosa;

 

Quando a pedra, oprimindo o teu peito medroso / E os teus flancos agora indolentes, privar / Esse teu coração de bater e de amar, / E os teus pés de seguir um curso aventuroso,

 

O túmulo, que sabe todos os meus sonhos / (porque sempre o coval há-de entender o poeta), / Nessas noites sem fim onde já não há sono,

 

Dir-te-á: «De que serviu, cortesã incorrecta, / Nunca teres conhecido o que choram os mortos?» / - E os vermes vão roer-te a pele como um remorso.

 

Baudelaire, As Flores do Mal, assírio & Alvim, tradução de Fernando Pinto do Amaral.

publicado por adignidadedadiferenca às 23:14 link do post
30 de Janeiro de 2011

«Revestindo a palavra de sentidos próprios e esvaziando-a de outros, alheios, Emily Dickinson aplicou à sua poesia um processo misto de desvelamento e ocultação do qual não esteve ausente nem o seu sexo nem a sua condição de mulher da classe média, descendente dos primeiros Puritanos, simultaneamente privilegiada pela classe e marginalizada pelo sexo. Na limitação física, Dickinson alargaria o seu olhar poético a excessos de experimentação: tal como a margem seria o centro da sua escrita, a própria ausência seria, paradoxalmente, centro do excesso.»

Posfácio de Ana Luísa Amaral

  

 

There is no Frigate like a book / To take us Lands away / Nor any Coursers like a Page / Of prancing Poetry - / This Traverse may the poorest take / Without oppress of Toll - / How frugal is the Chariot / That bears the Human soul.

Não há Fragata como um livro / Para levar-nos Terra afora / Nem há Corcel como uma Página / De volteante Poesia - / Tal travessia pode o mais pobre / Sem submissão a portagem - / Quão frugal é a Caleche / Que leva à alma Humana.

Tradução de Ana Luísa Amaral

publicado por adignidadedadiferenca às 00:58 link do post
02 de Setembro de 2010

 

 

Ezra Pound é – com todas as honras – o maior poeta pagão neste mundo «cristão e ocidental». Mas não se trata apenas disso. Ele é também o maior poeta «participante» dentro deste mesmo mundo «cristão e ocidental» - o maior poeta anticapitalista. E, nisso, durante diversas partes dos Cantos, sabe contrapor a naturalidade do comportamento, do estar pagão, à hipocrisia da civilização cristã. Dizia que seria legítimo substituir o Velho Testamento, como texto sagrado, pelas Metamorfoses, de Ovídio. Enfim, em matéria de criar, do fazer, constitui a sua obra um dos lances mais elevados da poesia no século actual.”

 

José Lino Grünewald (tradução e introdução) in Os Cantos, de Ezra Pound, Assírio & Alvim.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:57 link do post
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