a dignidade da diferença
29 de Setembro de 2012

 

Maria Madalena Penitente, 1580

 

É praticamente impossível abordar o trabalho pictórico de El Greco, debruçarmo-nos sobre a sua evolução e não reparar na influência que Tiziano exerceu sobre aquele, sobretudo naquela fase cujos indícios revelam uma persistente tentativa de apurar a técnica original e o admirável cromatismo do mestre veneziano, modificando-o de forma assaz meritória. O momento supremo desta subtil modificação estilística atinge-o El Greco na magnífica Maria Madalena Penitente, na qual o pintor grego despe a visão original de Tiziano de toda a sua carga erótica, reconfigurando o essencial dos elementos que compõem o quadro, transfigurando o requinte estético da Madalena Penitente de Tiziano numa obra renovada, de prodigiosa meditação e devoção espiritual.

 

Madalena Penitente, 1561

publicado por adignidadedadiferenca às 13:33 link do post
16 de Junho de 2012

 

 

«Há no mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que vão ao Museu do Louvre e passam rapidamente, e sem lhes dispensar um olhar, diante de uma imensidade de quadros muito interessantes ainda que de segunda ordem, mas que depois se postam sonhadoramente diante de um Ticiano ou der um Rafael, um desses que a gravura mais popularizou; então, saem satisfeitas, e há algumas que dizem: "Eu cá conheço o meu museu." Existem também aqueles que, tendo lido em tempos Bossuet e Racine, se julgam senhores da história da literatura. Felizmente, surgem de tempos a tempos justiceiros, críticos, amadores, curiosos que afirmam que não está tudo em Rafael, que não está tudo em Racine, que os poetæ minores têm algo de bom, de sólido e delicioso; e, enfim, que, por tanto se amar a beleza geral, que é expressa pelos poetas e artistas plásticos, não deixa de ser um erro não ligar à beleza particular, à beleza de circunstância e à marca dos costumes. Devo dizer que o mundo, há vários anos, se corrigiu um pouco. O valor que os amadores atribuem hoje às amabilidades gravadas e coloridas do século passado prova que se deu uma reação no sentido do que o público precisava; Debucourt, os Saint-Aubin e muitos outros entraram no dicionário dos artistas dignos de estudo. Mas esses representam o passado; ora, é à pintura dos costumes do presente que me quero dedicar hoje. O passado é interessante não apenas pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem ele era o presente, mas também como passado, pelo seu valor histórico. O mesmo se passa com o presente. O prazer que retiramos da representação do presente provém, não só da beleza de que pode revestir-se, mas ainda da sua qualidade essencial de presente.»

A Invenção da Modernidade, tradução de Pedro Tamen

12 de Maio de 2012

 

Madre Superiora (1939)

 

Tamara de Lempicka (1898-1980), natural de Varsóvia, criou uma obra caracterizada por uma significativa liberdade e ambiguidade estética. O seu trabalho marcou uma época, influenciou a pintura moderna e, desdobrando-se numa série de estilos mais ou menos próximos entre si, evoluiu naturalmente duma ingenuidade inicial – um começo aparentemente vanguardista, promissor, mas ainda algo tímido e inseguro – para formas arquitetónicas mais oblíquas, cuja matriz revela um traço seguramente mais complexo, transgressor, detalhado e sombrio. Ficam aqui alguns exemplos dessa evolução estética personalizada e perversamente contagiante. Elegantes e geométricas variações quase sempre muito conseguidas de Art Déco, do cubismo, pós-cubismo, surrealismo, expressionismo ou abstracionismo. Um percurso artístico dominado por um espírito ousado e transgressor que se confundiu amiúde com a sua própria vida, tão abastada quanto exposta em demasia.

 

A Bela Rafaela (1927)

 

Mulher Adormecida (1935)

 

Retrato do Príncipe Eristoff (1925)

 

publicado por adignidadedadiferenca às 14:27 link do post
02 de Novembro de 2011

 

Claude Monet, La Grenouillère (1869) 

 

«No Verão de 1869, Monet e Renoir pintam em Bougival, um desses destinos de excursão, e o tema comum é La Grenouillère. Num ângulo quase idêntico – Renoir estava por certo à direita de Monet, um pouco mais próximo da água – os dois pintores dão a sua versão da actividade que reina na “Jarra de Flores”, como era chamada a pequena ilha com a sua árvore ao centro. Observa-se, por comparação, que ambos tentaram ser exactos, o que sublinha, precisamente, as suas diferenças técnicas. Monet compõe o seu quadro com traços claros, horizontais e coloca pontos de luz vívidos. O seu pincel é enérgico enquanto Renoir aplica a cor de forma delicada e ligeira. Embora aqui as cores de Monet sejam escassas e frias, a paleta de Renoir é mais suave e a adição de vermelhos aquece-a. Monet já não demonstra interesse pelo vestuário, as suas personagens são simples traços suaves. Renoir, pelo contrário, transforma a textura dos tecidos listrados pelo sol e regista os pormenores da moda. Enquanto a sua versão, composta à volta do centro do quadro, cria uma atmosfera aveludada, a de Monet, com as suas sombras repartidas uniformemente e os seus traços brancos nas extremidades da tela, faz nascer uma imagem tridimensional cujo dinamismo percorre toda a superfície. Esta tensão que se difunde para as margens é uma constante nas composições de Monet.»

Christoph Heinrich, in Claude Monet, Taschen, tradução: Jorge Manuel Pinheiro Valente.

 

Pierre-Auguste Renoir, La Grenouillère (1869)

 

28 de Agosto de 2011

 

Círculo de Cor II, August Macke

 

August Macke nasceu a 3 de Janeiro de 1887 e, após ser chamado para o serviço militar, morreu em combate a 26 de Setembro de 1914. Influenciado inicialmente pelo impressionismo – sobretudo a poesia de Manet, os pastéis de Degas e a representação da sociedade parisiense de Toulouse-Lautrec -, Macke, sempre atento às inovações estéticas, foi amadurecendo e desenvolvendo o seu estilo, fortemente inspirado, a partir de 1905, nos fauvistas. Mas foi por volta de 1913 que a arte pictórica de Macke atinge o seu cume. Após mais uma reviravolta estética, a sua pintura volta-se agora para a abstracção, liberta-se dos espartilhos formais, entende-se com o cubismo e o futurismo numa busca permanente por novas formas, nova dinâmica e novos temas. É na sua fase futurista que Macke se deixa impressionar pelo trabalho de Delaunay, cuja aproximação é particularmente visível no Círculo de Cor II (de 1913), inspirado conscientemente pelas Formas Circulares e Sóis de Delaunay (do mesmo ano). A pintura de Macke transcende-se e ganha maior complexidade em comparação com o estilo demasiado bonito e acessório de Delaunay, mas aqueles quadros, como acertadamente refere Anna Meseure, «exercem um efeito tão abstracto como ilustrações científicas sobre a origem e a composição das cores e tão poético como o relato dramático do nascimento das cores da pureza alva da luz».

 

Formas circulares, Delaunay 

02 de Junho de 2011

 

Henri Rousseau, Cigana a Dormir, 1897

 

A tensão entre o ameaçador e o pacífico é indissolúvel. De onde vem o vento que faz esvoaçar a juba do leão nesta calma noite de luar? Será que a linha rígida da margem não interpõe uma parede de cenário protectora entre dois factos incompatíveis entre si? Será que o animal selvagem é parte do sonho que a mulher estranhamente demoníaca está a viver? Será que se trata de uma projecção erótica do próprio pintor que, na pele do leão, imagina a sua bela vítima? (…) Todas estas questões desvanecem-se perante o facto «imagem» cujo princípio de montagem revela – para usar o mesmo termo que André Breton – a «influência de causalidades mágicas». (…) Esta obra-chave da arte fantástica supera o Simbolismo da época, podendo, por isso, ser vista como precursora da pintura metafísica de Giorgio de Chirico. Pois não é a ideia codificada que compõe o conteúdo, mas sim a realidade dos factos deslocados. O impossível torna-se real; o observador vê-se confrontado com os limites da linguagem.

Cornelia Stabenow, Henri Rousseau, Taschen, 1998, Tradução: Ruth Correia

 

 

Giorgio de Chirico, Gladiadores e Leão, 1927

publicado por adignidadedadiferenca às 23:41 link do post
05 de Fevereiro de 2011

 

 Velázquez, Infanta Maria Teresa, 1652

 

As mulheres de Velázquez e de Klimt, embora sejam o retrato bem delineado de uma camada focalizada da alta sociedade das respectivas épocas, traduzem, porém, nas composições destes, o fim da esperança, o espelho da decadência, a inquietude, a impotência perante a realidade opressiva, e uma certa dose de resignação. Se Velázquez é, em rigor, um dos mais expressivos e geniais pintores clássicos, Klimt consegue, contudo, estabelecer novas coordenadas estéticas e imprimir uma dose significativa de erotismo e sensualidade que confere às suas personagens a expressão perfeita desse obscuro objecto de desejo que Buñuel tão bem aprofundou no seu cinema. Encobertos por uma doce, apaziguada e decorativa aparência, descobrem-se nelas olhares tensos, vibrantes e hipnóticos, entrelaçados numa relação ambígua com os sentimentos mais impetuosos de quem as observa.

  

Gustav Klimt, Retrato de Fritza Riedler, 1906

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:02 link do post
05 de Setembro de 2010

 

Muitos de nós temos, sem que algum fundamento racional o explique, um músico, escritor, cineasta ou pintor preferido. Talvez afinidades culturais, estéticas, questões de gosto o expliquem, não sei. Comigo também acontece. Sei a participação e influência que Vincent Van Gogh teve na criação da da pintura moderna. Foi, sem dúvida, uma figura central.

Do lugar cimeiro que ocupa nas minhas preferências já não sei explicar. Nem compreender. Para mim, é apenas o melhor. Luz intensa como a dos quadros de Van Gogh nunca vi em mais pintor algum. Porque é muita a admiração, fica aqui uma pequena recordação.

 

O quarto de Van Gogh em Arles 

 

«Desta vez é muito simplesmente o meu quarto, aqui tem de ser só a cor a fazer tudo; dando através da simplificação um maior estilo às coisas, deverá sugerir a ideia de calma ou muito naturalmente de sono. Em resumo, a presença do quadro deve acalmar a cabeça, ou melhor, a fantasia.»

 

Barcos de Saintes-Maries

 

«Passei uma semana em Saintes-Maries... Na praia de areia, muito plana, pequenos barcos verdes, encarnados, azuis, tão bonitos na forma e cor que faziam pensar em flores. Um homem só navega neles. Estas barcas mal vão ao mar-alto. Elas partem quando não há vento e voltam a terra logo que ele sopre forte.»

 

O café de noite na Place Lamartine

 

«No meu quadro do Café de noite, tentei expressar que o Café é um lugar onde alguém se pode arruinar, enlouquecer ou cometer um crime. Pelos contrastes das tonalidades de um rosa delicado e vermelho-sangue e vermelho-escuro, de um verde suave Luís XV e verde veronês contra um amarelo-esverdeado e azul-esverdeado forte - tudo isto numa atmosfera do rubro de fogo infernal e um amarelo baço de enxofre - quis exprimir o poder tenebroso duma taberna.»

 

As citações de Van Gogh tirei-as de: Walter, Ingo F., Vincent Van Gogh, Visão e Realidade, 1990, Taschen.

publicado por adignidadedadiferenca às 20:06 link do post
26 de Julho de 2009

 

É bem patente a intenção de psicologizar e dramatizar as fronteiras entre os espaços interior e exterior. Esta ideia é continuada e acentuada em Quartos para Turistas, de 1945. Neste quadro, o tratamento das fronteiras é fundamentalmente ambivalente; trata-se, presumivelmente, da ilustração da descoberta de Freud de que os domínios do oculto e do alienante podem bem transitar um para o outro, visto que têm a mesma origem. A casa com os quartos de hóspedes ergue-se na noite, como um local acolhedor; as suas divisões iluminadas no rés-do-chão e a placa publicitária iluminada pela luz ao pé da vedação de sebe do lado da rua prometem segurança. Mas este local de conforto e acolhedor comporta ao mesmo tempo algo alienante, pois atrás das suas janelas iluminadas não se vêem pessoas e a luz que sai das janelas do rés-do-chão é de tal maneira forte que dir-se-ia a casa ser iluminada por uma única fonte de luz, no seu centro, dando-lhe uma claridade estranha. Este quadro transcende, assim, os seus contornos realistas: faz lembrar uma certa casa iluminada de maneira estranha por dentro, representada por Edvard Munch em A Tempestade (1893).

 

A casa dos quartos de hóspedes é, no quadro de Hopper, a única coisa bem iluminada também por fora, por uma luz cuja origem é desconhecida. Na sua fachada principal, encontram-se as luzes exterior e interior, a casa está revestida pelos tais efeitos de luz alienadores, que também caracterizam O Império da Luzes II (1950), de René Magritte.

 

Rolf G. Renner, in «Edward Hopper, Transformações do Real», Taschen 2001

 

publicado por adignidadedadiferenca às 19:56 link do post
02 de Maio de 2009

 

Jean François Millet, O Angelus (1859) e Salvador Dali, Atavismo do Crepúsculo (1933-1934)

 

 

 

 

Depois das palavras que Salvador Dali escreveu numa litografia de São Sulpício com o objectivo de provocar os seus colegas surrealistas: «Por vezes escarro, com gosto, no retrato da minha mãe», deu-se a ruptura definitiva com o seu pai, que considerou aquele acto como um verdadeiro insulto.

Por amor à sua terra, e ao contrário de outros pintores seus contemporâneos que se exilaram, o genial pintor surrealista decidiu comprar um pobre casebre numa baía próxima de Cadaqués, em Port Lliget.

É nesta altura que manifesta a sua obsessão por «O Angelus» de Jean François Millet; inspira-se na sua obra e acrescenta-lhe uma notável visão pessoal, pungente e crepuscular da sua terra árida, agreste e primitiva, estruturando as suas fantasias pictóricas de uma forma radicalmente arquitectónica.

publicado por adignidadedadiferenca às 21:07 link do post
22 de Fevereiro de 2009

 

A expressão Expressionismo Abstracto apareceu pela primeira vez (na Alemanha) já em 1919, na revista Der Sturm, publicada em Berlim entre 1910 e 1932 e que era particularmente famosa pela publicação de reproduções expressionistas. Alfred Barr usou esta expressão pela primeira vez nos Estados Unidos relativamente aos trabalhos de Wassily Kandinsky, que abandonara em 1911 qualquer pretensão de copiar o mundo dos objectos. Uns anos mais tarde, no Catálogo da Exposição de 1936, Cubismo e Arte Abstracta, Barr, de uma perspectiva formal, distinguia entre duas tradições de arte abstracta: a primeira, de tendência mais fortemente geométrico-estrutural, do seu ponto de vista vinha de Georges Seurat e Paul Cézanne, através do Cubismo, até aos vários movimentos geométricos e construtivistas na Rússia e Holanda, e que se tinha tornado internacional desde a Primeira Guerra Mundial. «A segunda – e, até recentemente, secundária – corrente», continua Barr, «tem a sua fonte principal na arte e teorias de Gauguin e do seu círculo, e flui através do Fauvismo de Matisse até ao Expressionismo Abstracto das pinturas de Kandinsky de antes da guerra. Após alguns anos de desaparecimento ressurge vigorosamente entre os mestres da arte abstracta associados ao Surrealismo. Esta tradição, ao contrário da primeira, é mais intuitiva e emocional do que intelectual; de forma mais orgânica e biomórfica do que geométrica; mais curvilínea do que rectilínea, mais decorativa do que estrutural e mais romântica do que clássica na sua exaltação do místico, do espontâneo e do irracional.»

De certa forma, o artigo de Barr foi profético para vários artista que, nas duas décadas seguintes, iriam atrair cada vez mais atenção, como a New York School.

 

Barbara Hess, tradução de Marta Theriaga e Madalena Boléo, Taschen

 

Going west, Jackson Pollock

 

The moon-woman cuts the circle, Jackson Pollock

 

Excavation, Willem De Kooning

 

Woman I, Willem De Kooning

 

Rothko Chapel, Mark Rothko

 

Mountains and Sea, Helen Frankenthaler

 

Hudson River Landscape, David Smith

 

 

31 de Outubro de 2008

 

Amedeo Modigliani

 

«Quanto mais não fosse pela sua técnica, mas também pela composição, os seus nus denunciam uma clara influência dos mestres do Renascimento italiano, de Sandro Botticelli, Ticiano e Giorgione. (...) Modigliani, que nunca frequentou uma academia de arte estatal tratava a representação pictórica do corpo nu com um olhar mais educado pela história de arte do que por uma percepção do nu de modulação académica.» Doris KrystofEis alguns exemplos eloquentes do talento do pintor italiano, assim como da sua influência pictórica.

 

 

Sandro Botticelli

 

Rapariga ruiva em camisa (1915)

  

Nu com colar (1917)

 

Ticiano

publicado por adignidadedadiferenca às 20:22 link do post
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