Dead Combo Vol.1 (2004)
«Algures no princípio do séc. XXI, juntaram-se à esquina, na cidade de Lisboa dois vadios, um “cavalo de fogo” magro de 66, solitário de cartão e face vincada, o outro alto de 70, vindo do meio escuro do jazz, signo “cão”, ambos juraram vingar os mortos e fazer ressuscitar os vivos. Marcados pela BD, trazem a saudade esbanjada nos bolsos e a alma muda perdida em filmes negros. Tocam Lisboa, a cidade do campo, das chaminés e das cúpulas brancas, cenários de um passado perdido, o fado, o western vadio, tudo junto num vudu de emoções, o Tejo, os amantes desencontrados, anjos abandonados nas encruzilhadas do destino, flores com cores trocadas, santos, câmaras ardentes, guitarras despidas, cuspidas e deitadas à rua, contrabaixo em fogo, cartolas, galinhas à solta e coisas que rolam na rua. Ali encostados à parede no meio desta confusão, os dois trincam pecados de maçã, enquanto olham para Ti…»
Nada mais exacto. Este pequeno texto, que acompanha a edição do disco de estreia dos Dead Combo, faz a radiografia perfeita da atmosfera sonora que se respira nesta obra notável. Música individualizada e personalizada, vincadamente portuguesa, mas que aceita todas as contaminações exteriores que contribuam para o seu enriquecimento.
O grupo seguiu, naturalmente, o seu caminho, tornando a sua música um pouco mais encorpada, acolhendo, aqui e ali, outros elementos que moldaram o seu trilho sonoro. Mas o que este disco trouxe de essencial ficou: Morricone semi-destilado, melancolia e fado em tom pastel, rosas queimadas em zinco e uma guitarra que se cansou de morder o pó da estrada.
Um pequeno mas notável gesto de amor livre e solitário.
Viúva Negra