A gravação já tem dois anos, mas só agora tive oportunidade de escutar a magnífica, assimétrica e lunar poesia musical de Jesca Hoop em Kismet. Após as primeiras audições, parece-me a sequência natural das canções subtilmente experimentais do notável Carbon Glacier de Laura Veirs, ligeiramente modificadas pelo tubo de ensaio de Hanna Hukkelberg. Ou seja, mais um belíssimo conjunto de histórias contadas por quem acha que este não é, definitivamente, o melhor lugar para se viver, dominadas por uma visão musical preciosamente ecléctica – soul, folk-rock, duas ou três ideias de pop-meets-quarteto de cordas, jazz, country servido em cubos de gelo, um ou dois esgares eléctricos e pedaços do Tom Waits boémio (haverá outro?) - alimentada por pequenas doses de melodias sinuosas e semi-abstractas, mas de contágio imediato. Um grande e solitário disco.
Com o álbum de estreia de David Ackles foi amor à primeira vista. Tudo o que tinha lido sobre o compositor norte-americano confirma-se nesta fulgurante montra de ourivesaria musical. O retrato sublime e cinemático da América profunda, que arrastou consigo óbvios e notáveis irmãos gémeos; desde as alucinações de Tim Buckley, passando pela solidão e poesia de Cohen ou pela amargura de Sail Away de Randy Newman, sem esquecer esse paradigma do cantor-contador de histórias que é Nighthawks At The Diner do genial Tom Waits (outra vez este gajo?), ou gerando os mais recentes – e devotos – Tindersticks, Elvis Costello e Divine Comedy.
Se American Gothic tem a mais-valia dos sublimes arranjos orquestrais, escutar uma e outra vez The Road to Cairo, When Love is Gone, Sonny Come Home, Lotus Man ou Be My Friend, vai-me deixar francamente indeciso na altura em que quiser eleger o Ackles vintage.
Directamente para a lista dos melhores de sempre.
David Ackles, The Road to Cairo
Jesca Hoop, Money