a dignidade da diferença
16 de Novembro de 2008

 

 

Eis o retrato realista e cruel da impossível (?) relação entre professores e alunos insolentes e com pouca vontade de aprender o que a escola tem para lhes ensinar. O cenário é o de uma escola pública situada em Paris onde um professor, director de uma turma multicultural e multirracial, vai perdendo a paciência (e a razão?) ao longo do ano lectivo, conforme vai tomando consciência da impossibilidade em conseguir fazer-se respeitar, controlar e ensinar os seus alunos numa sala de aulas.

Se não encontramos neste livro aquilo a que costumamos chamar «grande literatura», é inegável que se trata de um documento de vital importância para quem segue e se interessa pelo sistema de ensino – e não nos podemos esquecer que tudo isto também podia acontecer numa escola portuguesa -, onde o autor utiliza a escrita que lhe parece mais adequada ao seu discurso, por vezes trágico, outras vezes cómico, mas que nos consegue transmitir todo o cansaço que se vai apoderando dos professores daquele estabelecimento de ensino, assim como toda a apatia e indiferença generalizada dos alunos, culminando na dificuldade de comunicação entre ambos – e convém recordar as episódicas presenças dos pais dos alunos -, como podemos verificar, por exemplo, nos conselhos disciplinares que acabam, não raras vezes, nas expulsões.

O leitor interessado sente um autêntico murro no estômago ao verificar como aquilo que, aparentemente, quase todos defendemos, isto é, o conceito de uma escola pública para todos, se arrisca a ser materialmente insustentável quando exposto ao duro contacto com a selvagem realidade.

O autor defende que não será bem assim, ao aceitar que o caos que se vive nas escolas públicas é o preço a pagar por serem para todos.

Claro que, depois do livro, maior é a vontade de ver o filme. A data já está agendada. Não tarda muito, voltaremos a falar. Ou talvez não.

 

FLANNERY O’CONNOR

 

 

Se o desejo do leitor é a chamada grande literatura clássica com a capacidade interior de nos fazer arrancar, literalmente, os pés do chão, então «O céu é dos violentos», de 1960, é o romance ideal que deve, desde já, conhecer (e divulgar).

Mesmo para um ateu confesso como eu, esta é uma obra avassaladora, cuja atmosfera varre tudo, mas mesmo tudo, o que gira em seu redor. A genial escritora introduz-nos num mundo violento, habitado por personagens demenciais, obsessivas, corajosas e em luta permanente contra o destino que lhes foi traçado.

A história conta-se em poucas palavras, como aquelas que se apoderaram da contracapa da edição portuguesa do livro (publicado pela Cavalo de Ferro) e que passo a transcrever: Este segundo e último romance de Flannery O’Connor, narra a história de Francis Tarwater, um adolescente de catorze anos, que tenta a todo o custo escapar ao destino que lhe foi traçado desde tenra idade: seguir as pisadas do avô, um profeta fanático, com uma visão muito especial dos ensinamentos bíblicos. Quando o avô de Francis morre, logo no início do romance, o rapaz renega os seus ensinamentos, pega fogo à propriedade rural onde ambos viviam e vai ao encontro do seu tio, Rayber e do filho deste, Bishop, uma criança mentalmente atrasada. No entanto, Francis descobre que a força do destino se sobrepõe à sua nova vida secular e, através de um acto de extrema violência, reconcilia-se com a verdadeira missão da sua vida.

Ninguém pode ficar indiferente a esta linguagem extremada, brutal quando tem que ser, irónica, viciante e poderosa que no seu tempo alargou, um pouco mais, os limites estéticos estabelecidos para a ficção.

Tomando de empréstimo as palavras que Ana Cristina Leonardo (crítica literária do «Expresso») usou para terminar o texto que assinou sobre este romance espantoso: esta não é, definitivamente, uma obra para copinhos de leite.

Directamente para a lista das melhores publicações deste ano.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 21:05 link do post
Dois livros muito interessantes. O primeiro, nas minhas idas às livrarias, em Paris, entrou no meu campo visual e fiquei curiosa.
Às vezes...coincidências!
O segundo! Adoro a autora.
Era uma mulher doente , com lupus, mas ,utilizando a tristeza de ser doente ,foi criadora de bons livros.
Muito irónica. Gosto dessa arte... de ser irónica, no bom sentido, claro.
Sabe o que é ouvir um doente e este estar a transferir
a sua angústia , como se fossemos os culpados?
É uma conversa muito complicada e além disso ,respeito os doentes. Muito.
E gosto de psiquiatria.
Recordando... e aquele cineasta?
Se quiser, claro!
Fique bem.
ionesco a 16 de Novembro de 2008 às 23:37
Obrigado pelo comentário. O cineasta não está esquecido. Tenho é tido falta de tempo. O trabalho assim me obriga. Mas conto escrever sobre ele antes do final do ano. Fique bem também.
uma obra-prima! (a que nem os ateus resistem...)
ana cristina leonardo a 17 de Novembro de 2008 às 03:33
Sem dúvida. E a sua crítica também ajudou muito a interessar-me pelo livro. Dela só conhecia o magnífico livro de contos «Um bom homem é difícil de encontrar. Aliás - já que estou virado para as confissões -, desde que li a sua crítica sobre a publicação de «Anna Karénina» de Tolstoi, procuro não perder um texto seu. Por si e pelo João Lisboa, o «Expresso» vale bem os 2,90 euros...
acho um exagero, mas agredeço. quanto ao Tolstoi, é o maior deles todos!
ana cristina leonardo a 18 de Novembro de 2008 às 00:18
não é exagero nenhum. subscrevo (na parte que diz respeito à ana cristina leonardo)
sem-se-ver a 18 de Novembro de 2008 às 09:53
enquanto professora tenho imensa curiosidade sobre o filme. pelos algarves ainda não chegou... (o costume)

depois falamos :-)
sem-se-ver a 18 de Novembro de 2008 às 09:56
Espero que não demore muito a chegar aí o filme. Eu vou vê-lo no Sábado. Mas bom, bom, bom, é mesmo a Flannery O' Connor. Bjs
"A turma" vem muito a propósito...
Quanto ao outro livro, vou juntá-lo à minha lista de compras.
Um abraço
Transdisciplinar a 18 de Novembro de 2008 às 21:12
Qualquer dia ainda me «acusa» de lhe dar cabo do orçamento (eh eh). Um abraço.
Nem mais !
Um abraço
Transdisciplinar a 18 de Novembro de 2008 às 23:50
lembrei-me agora. leu a planicie em chamas do rulfo?
ana cristina leonardo a 20 de Novembro de 2008 às 00:04
Agora é que vou levar porrada! Do juan Rulfo, li o «Pedro Páramo», do qual gostei imenso. Por uma razão qualquer, que não foi boa de certeza, «A planície em chamas» ficou na lista dos esquecimentos. O livro já não está nas melhores condições, mas consegui encontrá-lo na estante. Os contos vão passar, desde já, para as prioridades, obviamente. Obrigado pela pergunta-lembrança.
Se não tiver tempo, leia pelo menos o conto «É que Somos Muito Pobres». Literatura para estômagos de aço, já que se falava de copinhos de leite.
ana cristina leonardo a 20 de Novembro de 2008 às 23:53
Obrigado. Mas vou mesmo lê-lo todo. E, se quiser, pode começar a tratar-me por tu. Eu é que a trato pela terceira pessoa do singular por uma questão de educação e respeito que tenho por uma pessoa que sei ser mais antiga do que eu.
Terceira pessoa do singular?! Onde é que eu teria a cabeça? Enfim, esta nem o José Luís Peixoto!
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