Para quê? Vasto e terrível ponto de interrogação, que agarra a crítica pela gola do casaco desde o primeiro passo que pretenda dar no seu primeiro capítulo.
O artista começa por censurar à crítica o facto de nada poder ensinar ao burguês, que não quer pintar nem rimar – nem à arte, já que foi das suas entranhas que a crítica saiu.
E, contudo, quantos artistas deste tempo só a ela devem a sua pobre nomeada! Será talvez essa a verdadeira censura a fazer-lhe.
Vimos como um Gavarni representou um pintor curvado sobre a sua tela e, atrás dele, um cavalheiro, grave, seco, hirto e engravatado de branco, tendo na mão o seu último folhetim. «Se a arte é nobre, a crítica é santa.» - «Quem disse isso?» - «A crítica!» Se ao artista cabe com tanta facilidade o bom papel, é porque o crítico é sem dúvida um crítico como há tantos.
Em matéria de meios e processos – das obras em si mesmas o público e o artista nada têm a aprender. Essas coisas aprendem-se no atelier, e o público só se preocupa com o resultado.
Creio sinceramente que a melhor crítica é a crítica divertida e poética; não esta, fria e algébrica que, a pretexto de explicar tudo, não tem ódio nem amor, e que voluntariamente se despoja de qualquer espécie de temperamento; mas sim – uma vez que um belo quadro é a natureza reflectida por um artista – aquela que consistirá nesse quadro reflectido por um espírito inteligente e sensível. Assim, a melhor recensão de um quadro poderá ser um soneto ou uma elegia.
Mas este género de crítica destina-se às colectâneas de poesia e aos leitores poéticos. Quanto à crítica propriamente dita, espero que os filósofos compreendam o que vou dizer: para ser justa, isto é, para ter a sua razão de ser, a crítica deve ser parcial, apaixonada, política, quero dizer, feita de um ponto de vista exclusivo, mas do ponto de vista que abre mais horizontes.
Exaltar a linha em detrimento de cor, ou a cor à custa da linha, é, sem dúvida, um ponto de vista; mas não é amplo nem justo, e denota uma grande ignorância dos destinos individuais.
Ignora-se em que dose a natureza misturou em cada espírito o gosto pela linha e o gosto pela cor, e através de que misteriosos processos ela opera tal fusão, cujo resultado é o quadro.
Assim, um ponto de vista mais amplo será o individualismo bem entendido: determinar ao artista a ingenuidade e a expressão sincera do seu temperamento, auxiliada por todos os meios que lhe são concedidos pelo seu ofício. Quem não tem temperamento não é digno de fazer quadros, e – como estamos cansados dos imitadores, e sobretudo dos eclécticos – deve entrar como operário ao serviço de um pintor com temperamento. É o que demonstrarei num dos últimos capítulos.
Agora munido de um critério seguro, critério esse colhido na natureza, o crítico deve cumprir com paixão o seu dever; porque, por ser crítico, nem por isso é menos homem, e a paixão aproxima os temperamentos similares e ergue a razão a novas alturas.
Disse algures Stendhal: «O pintor não é mais que moral construída!» Quer se entenda esta palavra moral num sentido mais ou menos liberal, pode dizer-se o mesmo de todas as artes. Como elas são sempre o belo expresso pelo sentimento, pela paixão e pela fantasia de cada um, isto é, a variedade na unidade, ou as faces diversas do absoluto – a cada instante a crítica atinge a metafísica.
Visto que cada século, cada povo teve a expressão da sua beleza e da sua moral, e se quisermos entender por romantismo a expressão mais recente e mais moderna da beleza, para o crítico sensato e apaixonado o grande artista será, por conseguinte, aquele que juntar à condição acima exigida a ingenuidade – tanto romantismo quanto possível.
Charles Baudelaire, in «A Invenção Da Modernidade (Sobre Arte, Literatura e Música)». Tradução de Pedro Tamen, Colecção Clássicos Relógio D’Água.