O comentário, hoje, vem a propósito da libertação do escocês Kenny Richey, 21 anos após ter sido condenado à morte nos Estados Unidos por fogo posto e homicídio de uma criança com dois anos. Sei que qualquer reflexão mais ou menos aprofundada sobre a pena de morte, as suas causas e consequências, será sempre motivo para acesas discussões e muita polémica. Não é esse o meu objectivo. Aqui, pretendo tão só questionar se fará algum sentido, no mundo em que vivemos e em constante evolução (estava quase tentado a escrever ebulição), defender a pena máxima. Claro que existem argumentos favoráveis à pena de morte e não são propriamente tolos. Merecem ser respeitados e discutidos. Naturalmente, um criminoso é uma ameaça para a sociedade e verifica-se que, na maior parte das vezes, não é recuperável. Também aceito que o indivíduo deve ser responsabilizado pelos actos que pratica, mais ainda quando resultam de um comportamento intencional e consciente. Até um génio como Kant, na sua época, era defensor da pena capital ao afirmar que é importante punir o criminoso de forma proporcional à seriedade do seu crime e que a forma e a medida da punição que a justiça pública deve tomar como padrão é o princípio da igualdade: quem difama outra pessoa, difama-se a si mesmo, quem ataca outra pessoa, ataca-se a si mesmo, quem mata outra pessoa, mata-se a si mesmo. Só este princípio pode estabelecer a qualidade de uma pena justa.
Pode ser. Mas, ao tomar conhecimento da notícia da libertação de Kenny Richey e ao aperceber-me dos contornos nebulosos que envolveram toda esta história - desde a possibilidade de terem sido prestadas falsas acusações, até à omissão de factos que absolveriam, com toda a certeza, o acusado -, não posso deixar de perguntar que justiça existe na condenação de um inocente, condicionada, além disso, pela impossibilidade material de corrigir um erro que o acusado pagou com a própria vida?
Mesmo quando comprovadamente culpadas (e que certezas existem no mundo actual?), será correcto tratar assim as pessoas? Neste caso concreto, se o presumível inocente tivesse sido condenado, não seria o seu executor um assassino, na óptica dos defensores da pena capital, que deveria, também ele, ser condenado à morte? E como fazer para restituir a vida a um morto?
A pena de morte é o assassinio a sangue frio de um ser humano (mesmo criminoso), é um castigo cruel, desumano e degradante. É um acto de uma violência irreversível e irreparável (e sabe-se que não têm sido assim tão poucos, os erros praticados no julgamento desses condenados). Não se justifica como auto-defesa, porque não se consegue provar que tenha um efeito dissuasor superior ao da prisão perpétua (que eu, em situações limite e sem solução, defendo).
Não me esqueço que a pena de morte levanta imensas questões de ordem social, jurídica e cultural, sobre as quais haverá imensa gente com mais capacidade para se pronunciar, mas, concretizando o meu pensamento, devo dizer que acredito ser a existência de cada um de nós uma trajectória pelo tempo e pelo espaço que cabe no conceito dinâmico do desenvolvimento (defendido pelo académico Steven Rose). Nascemos, crescemos, envelhecemos e morremos, e - pelo facto de possuirmos cérebro e organização social – temos a capacidade de compreender o que nos espera, o que nos dá a liberdade de actuar ou de construir o nosso futuro (e o da humanidade). Não creio que a pena de morte favoreça essa evolução. Faz, para mim, muito mais sentido uma vida que aceita e investe na reabilitação de um indivíduo, mesmo que os resultados práticos sejam mínimos, do que na sua condenação brutal e, por vezes, arbitrária.