Há um bom par de anos que venho consolidando a ideia segundo a qual a qualidade média das gravações de música escrita e interpretada pelas mulheres é significativamente superior à dos seus pares masculinos. As provas mais convincentes vão-se semeando por aí, ano após ano, destacando-se os nomes de Annie Clarke/St.Vincent, Shara Worden/My Brightest Diamond, Regina Spektor, Neko Case, Alela Diane, Björk, PJ Harvey, Julia Holter, Laura Marling, Sharon Van Etten, Anna Meredith, Anna Calvi, Jesca Hoop, Nina Nastasia e as Goat Girl. Não sendo fácil, por seu turno, encontrar uma explicação para o sucedido, julgo que ela não andará muito longe da circunstância de as mulheres necessitarem de uma maior afirmação para se conseguirem impor num universo musical pop/rock predominantemente masculino, aparecendo apenas quando sentem que têm algo importante para dizer. O mais recente testemunho surge agora na voz de Anna Calvi. Corajoso manifesto feminista e queer, “Hunter”, num gesto mais urgente e imediato, liberta-se um pouco do universo cinemático mais elaborado dos discos anteriores, mantém a sedução da voz operática da cantora e explora o panorama sombrio das visões de David Lynch, pela via musical de Angelo Badalamenti, bem como a ambiguidade musical/sexual reconhecida em David Bowie. Tenso, eléctrico e linear, mas também elegante e intimista, “Hunter” é um magnífico objecto de desejo, belo e selvagem, representando um conjunto expressivo de ideias em vez de uma mera sucessão mais ou menos articulada de acordes, conforme pretendia justamente a sua autora.