a dignidade da diferença
29 de Maio de 2017

 

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Enquanto, por cá, prossegue o ciclo dedicado a Kenji Mizoguchi, com uma sucessão de planos-sequência (imagem de marca do autor) e alguns dos mais belos movimentos de câmara da história do cinema (com essa rara capacidade para esculpir uma cena), Andrei Tarkovsky, outro cineasta superlativo - a quem apenas encaixará a acusação de falta de sentido de humor - parece estar também na ordem do dia. Com efeito, por um lado, Ryuichi Sakamoto elabora, programa e arruma o seu mais recente e notável "async" como uma banda-sonora para um filme imaginário do cineasta russo, inspirando-se, no caso vertente, em imagens conhecidas de alguns dos seus filmes, rumo a uma música que, abastecendo-se num matizado caldeirão de cultura, tradição, vanguarda e experimentalismo, vai progressivamente eliminando as suas fronteiras, tornando-se transparente e, por vezes, ausente, sempre difícil de catalogar. Por outro lado, chegou agora a vez do Tarkovsky Quartet incluir nas suas gravações - que compõem as belíssimas e rarefeitas peças musicais de "Nuit Blanche" – sucintas alusões ao pensamento e à estética austera do cineasta russo, cuja música (onde se descobrem amiúde traços característicos da escrita de Nino Rota ou Tomasz Stanko) esboça e acompanha vagamente alguns dos sonhos, inquietações e profecias de Tarkovsky.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:23 link do post
21 de Maio de 2017

 

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Axel Honneth, respeitado filósofo e sociólogo alemão contemporâneo, considerou, no seu recente Die Idee des Sozialismus (A Ideia de Socialismo, na tradução portuguesa publicada pela Edições 70), que se verifica actualmente «uma dissociação entre a indignação e qualquer orientação para o futuro, entre qualquer protesto e todas as visões de algo melhor». Com efeito, como observa o autor, «não havia tantas pessoas indignadas em simultâneo com as consequências sociais e políticas de uma economia de mercado capitalista desregulada globalmente». Segundo Honneth, essa constatação não afasta, contudo, outra: a de que essa revolta propagada parece necessitar de um sentido de orientação que a possa guiar, de uma percepção histórica para encontrar na crítica patenteada uma finalidade, um objectivo, sem os quais a crítica permanece no seu autismo. Na realidade, como ainda refere, «é como se faltasse capacidade ao desconforto generalizado de pensar para além daquilo que existe e para imaginar uma situação social mais além do capitalismo». E até hoje nunca se deu pela aludida desvinculação pois esta constitui, nas suas palavras, «uma novidade na história das sociedades modernas».

publicado por adignidadedadiferenca às 01:19 link do post
20 de Maio de 2017

 

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Hoje, a situação mudou radicalmente. O socialismo, quando é, sequer, mencionado no contexto das teorias sociais, parece indiscutivelmente algo do passado, não se acredita que ele possa voltar alguma vez a despertar o entusiasmo das massas, nem se considera que seja adequado para apresentar alternativas inovadoras ao capitalismo actual. De um dia para outro – Max Weber esfregaria os olhos, admirado – os papéis dos dois grandes adversários do século XIX inverteram-se: o futuro parece pertencer à religião, enquanto força ética, enquanto o socialismo, pelo contrário, é visto como uma criação intelectual do passado. A convicção de que esta inversão aconteceu demasiado depressa, não podendo, portanto, constituir toda a verdade, é um dos dois motivos que me levaram a escrever este livro: quero tentar provar (…) que ainda existe uma faísca viva no socialismo, se houver determinação suficiente para libertar a sua ideia fundamental de uma estrutura de pensamento enraizada na primeira fase da industrialização, e se esta ideia for transplantada para uma teoria social, num novo enquadramento.

Alex Honneth, Die Idee des Sozialismus (A Ideia de Socialismo)

publicado por adignidadedadiferenca às 02:13 link do post
06 de Maio de 2017

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Do género "filmes sobre filmes", "Sunset Boulevard", realizado em 1950 por Billy Wilder, é um dos mais perturbantes e cruéis filmes sobre o anunciado "come back" de antigas estrelas de cinema de Hollywood. Raramente uma obra de ficção conseguiu criar de forma tão obsessiva e poderosa o efeito do real - curioso o contraponto com a exuberante celebração do artificial de "One From the Heart", filme a que aludi há pouco -, coisa que o cinema, arte figurativa por excelência, provavelmente melhor conseguirá fazer. Talvez a razão de fundo esteja na escolha dos actores, sobretudo nos casos de Gloria Swanson e Erich Von Stroheim, bem como no modo como Wilder explora magistralmente uma mescla entre o que eles foram na vida real e o que representam no filme. Um filme ainda hoje soberbo.

publicado por adignidadedadiferenca às 01:10 link do post
06 de Maio de 2017

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Decorado sumptuosamente nos cenários luminosos de Las Vegas, "One From the Heart", exuberante celebração do artificial, da autoria de Francis Ford Coppola e com música de Tom Waits - história agridoce de um homem e uma mulher ocasionalmente desavindos, cada qual com o seu sonho concretizado noutra mulher e noutro homem - representou, em 1982, a renovação do esgotado cinema musical, evoluindo estruturalmente entre planos em constante metamorfose, num singular registo de opereta e pantomina, nele emergindo alguns belíssimos momentos de toda a história do cinema musical, como, entre outros, o número de dança colectiva nas ruas ou a belíssima canção de Nastassja Kinski, "Little Boy Blue"..

publicado por adignidadedadiferenca às 00:58 link do post
01 de Maio de 2017

 

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O que impede o mais recente álbum dos Dirty Projectors – regresso da banda nova-iorquina após os notáveis “Bitte Orca” e “Swing Lo Magellan” – de cair no pântano do banalizado e algo esgotado território das “torch songs” é a curiosidade e o elevado grau de insatisfação dos seus autores. Com efeito, essas curiosidade e insatisfação confere-lhes uma ampla capacidade para traduzir a linguagem nova que desponta num corpo autónomo, alimentado por fragmentos sonoros extraídos de uma enciclopédia musical, constituídos por melodias, textos, arranjos e instrumentação, daquele género muito particular que “primeiro estranha-se e depois entranha-se”: estruturalmente esquelético e dissonante, habitado, átomo a átomo, por pequenas assombrações e confissões, perspectivas oblíquas e melodias contagiosas. Tudo isso e uma singular aptidão de recriação estética que, sem desviar o olhar do presente ou do passado até, permite antever o futuro a quem os escuta…

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 17:27 link do post
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