a dignidade da diferença
30 de Março de 2016

 

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Coube à Soul Jam Records a louvável tarefa de reeditar uma série de obras clássicas do blues. Por sua vez, a recente aquisição de um conjunto de nomes incontornáveis da sua longa história – Lightnin’ Hopkins, Junior Wells, Sonny Boy Williamson e Muddy Waters, por exemplo – forneceu-me o pretexto para renovar uma ideia que já vem amadurecendo e me parece indiscutível: o modelo tradicional do blues, assente, por via de regra, numa estrutura de 12 compassos, esgotou a sua capacidade criativa. O que se ouve agora é um conjunto significativo de músicos, cuja única ambição consiste em adoptar uma carreira de guitar hero, substituir o pano de fundo musical - tradicionalmente aproveitado para sublinhar, reforçar ou ampliar histórias de uma vida que deixa marcas - por uma lista de solos intermináveis de guitarra, num exercício autocontemplativo e inútil de exibicionismo técnico sem qualquer interesse expressivo. Servirá de consolo, neste caso, recordar alguns dos clássicos para arejar os ouvidos e agradecer o inestimável contributo da Soul Jam Records para o efeito.

 

 

24 de Março de 2016

 

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«Há uma contradição no génio da literatura russa. De Pushkin a Pasternak, os mestres da poesia e da ficção russas pertencem ao mundo como um todo. Os seus poemas, romances e contos são indispensáveis mesmo quando os lemos em traduções fracas. Sem estas obras temos dificuldade em imaginar o reportório dos nossos sentimentos e da humanidade comum. Com o seu estilo historicamente breve e constrangido, a literatura russa partilha esta universalidade envolvente com a Grécia antiga. No entanto, o leitor não russo de Pushkin, Gogol, Dostoievski ou Mandelstam é sempre um intruso. Está essencialmente a espreitar para um discurso íntimo que, apesar da obviedade da sua força comunicativa e da sua pertinência universal, nem os críticos intelectuais mais experientes e perspicazes do Ocidente conseguem perceber com todo o rigor. O significado permanece obstinadamente nacional e resistente à exportação. Claro que isto se deve, em parte, a uma questão de língua ou, mais exactamente, à desconcertante gama de línguas à qual os escritores russos recorrem, e que vai das formas regionais e populares às formas altamente literárias e mesmo europeizadas. Os obstáculos que um Pushkin, um Gogol, uma Akhmatova põem no caminho da tradução integral são abundantes. Mas o mesmo se pode dizer a respeito dos clássicos escritos em muitas outras línguas, e apesar de tudo, os grandes textos russos conseguem fazer-se entender num determinado plano – na verdade, num plano bastante amplo e revelador.»

George Steiner, in George Steiner at The New Yorker, 2009

16 de Março de 2016

 

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Conclui-se hoje a retrospectiva integral da obra do cineasta Andrei Tarkovski, a cargo da Leopardo e da Medeia Filmes. A obra do fundamental autor russo ilustra bem a persistência de um cineasta na elaboração e desenvolvimento de um trabalho que procura uma compreensão para o sofrimento e a solidão do ser humano, mergulhando amiúde na questão do artista contra a autoridade, mas sobretudo nos problemas da crença e da falta dela, na espiritualidade e no sagrado – daí a censura progressiva do(s) regime(s) soviético(s), dificultando a exibição dos seus filmes. Os planos longos, a estilização da cor, os invulgares efeitos da luz, o simbolismo ou a intencional imobilidade narrativa configuram-se como características formais únicas e adequadas às obsessões e reflexões temáticas de um autor que nos resgata do peso excessivo do actual e dominador cinema exclusivamente de entretenimento, onde filmes tão memoráveis como Andrei Rubliov, Stalker ou Nostalgia se distinguem da irritante futilidade daquele. Também por esta razão, Tarkovski é indispensável. De tão funda inquietação nasce uma obra mais poética que narrativa, prodígio estético de um autor que sentia o cinema como uma oração.

 

Stalker

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:22 link do post
06 de Março de 2016

 

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 Klimt, Dánae (1907-08)

 

«Na realidade, para estes jovens artistas que ele foi o primeiro a defender, nomeadamente Egon Schiele ou Oskar Kokoschka, ele é um deus. Mas, o que consideramos como a “verdade” da obra de arte é exposto às modas e às variações. A moda muda com a atmosfera. O mundo pictórico de Klimt, adornado como que por excesso, parece bem conciliador e optimista comparado com o mais atormentado de Schiele que se coaduna melhor com o “Laboratório do Fim do Mundo”, como era designada a Viena de antes de 1914.

 

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 Egon Schiele, Estudo para Leda (1913-14)

 

Os pré-expressionistas vienenses que são Schiele e Kokoschka, apesar da sua veneração obrigatória por Klimt, já têm a revelação da queda final e da catástrofe que está para vir. Vão agora influenciar o seu ídolo. Se a influência de Klimt foi capital para Schiele, por volta de 1910, chegará o momento em que esta se exercerá no sentido inverso (…) como é o caso de uma composição tardia de Klimt, Leda (…) que retoma uma composição de Schiele. Exemplo que ilustra, por sua vez, os pontos de convergência e a rivalidade criativa que une estes dois pintores essenciais na criação vienense da época.»

Gilles Néret, in Gustav Klimt

 

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 Klimt, Leda (1917)

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