O Julgamento de Giordano Bruno pela Inquisição Romana. Relevo em bronze por Ettore Ferrari.
Para o comum dos mortais, com um mínimo de conhecimento da lei processual penal, seria muito difícil compreender, antes da última reforma do processo penal português, como se justificava que um arguido que confessa o seu crime em fase anterior à audiência de julgamento, diante do juiz de instrução, fosse absolvido quando, na ausência de outras provas, se remetia ao silêncio em audiência ou nem sequer participava nela. Nesse sentido, a alteração legislativa que permitiu a valoração em audiência das declarações anteriormente prestadas pelo arguido terá sido aparentemente uma das medidas mais meritórias tomadas no âmbito da referida reforma. Na verdade, como esclarece o texto apresentado no 9.º Congresso dos Juízes Portugueses, da autoria de um grupo de trabalho constituído por juízes – no âmbito do Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais da Associação Sindical dos Juízes Portugueses - e publicado em Janeiro de 2012 (o livro intitula-se Mudar a Justiça Penal, Linhas de Reforma do Processo Penal Português), «sendo o processo penal um repositório dos valores de uma comunidade num determinado período histórico e sendo constante o dilema entre uma adequada compatibilização entre o direito das vítimas, do Estado e da comunidade em perseguir e punir o agente do crime e por outro lado a necessidade de acautelar a dignidade e todas as garantias de defesa do arguido, não poderá deixar de ser igualmente um elemento de reflexão quando os cidadãos não compreendem determinadas proibições legais, como é o caso, pois aos seus olhos declarações confessórias prestadas perante um juiz, deverão conduzir, em regra, a uma punição criminal». Fica, no entanto, uma dúvida: admitindo que a confissão do arguido durante o inquérito ou a instrução terá possibilitado, nalguns casos, a obtenção de outros meios de prova através de investigação feita a partir dos dados obtidos nessa confissão, que terão conduzido à condenação daquele ainda que se remetesse ao silêncio em audiência ou nem participasse nela, não irá, nesse sentido, a valoração em audiência das declarações anteriormente prestadas pelo arguido remetê-lo definitivamente ao silêncio, sobretudo porque será advertido que as declarações proferidas (obrigatoriamente na presença do seu advogado) poderão incriminá-lo na fase de julgamento, com evidente prejuízo em sede de investigação? Se no plano das ideias e dos princípios é difícil não concordar com a adopção desta medida, só o tempo poderá demonstrar a sua eficácia prática.