«As possibilidades científicas modernas alteraram profundamente o curso da vida humana. As pessoas vivem mais e melhor do que em qualquer outro período da História. Mas os avanços científicos transformaram os processos de envelhecer e morrer em experiências médicas, questões a serem geridas por profissionais de saúde. E nós, no meio médico, demos assustadoramente provas de não estarmos preparados para isso. Esta realidade tem estado, em grande parte, escondida, uma vez que as fases finais da vida são cada vez menos familiares para as pessoas. (…) A morte, como é óbvio, não é um fracasso. A morte é normal. A morte pode ser o inimigo, mas é também a ordem natural das coisas. (…) Não é preciso passar muito tempo com pessoas idosas ou doentes em fase terminal para ter a noção da quantidade de vezes que a Medicina não consegue socorrer as pessoas que supostamente deveria ajudar. Os derradeiros dias da nossa vida são ocupados com tratamentos que nos baralham o cérebro e sugam o nosso corpo até ao tutano, em busca de uma ínfima hipótese de obter um resultado benéfico. São passados em instituições – casas de repouso e unidades de Cuidados Intensivos -, onde rotinas rígidas e impessoais nos afastam de todas as coisas que são importantes para nós na vida. A nossa relutância em analisar honestamente a experiência do envelhecimento e morte agravou o mal que infligimos às pessoas e negou-lhes os confortos básicos de que mais necessitam. (…) Há quem ficará assustado com a ideia de um médico escrever sobre a inevitabilidade do declínio e morte. Para muitas pessoas, este tipo de conversa, por mais cuidado que se tenha a enquadrá-la, evoca o espectro de uma sociedade a preparar-se para sacrificar os seus doentes e velhos. Mas, e se (…) já estiverem a ser sacrificados, já forem vítimas da nossa recusa em aceitar a inexorabilidade do ciclo da vida?»
Atul Gawande, Introdução a Being Mortal.