a dignidade da diferença
24 de Maio de 2015

 

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«As possibilidades científicas modernas alteraram profundamente o curso da vida humana. As pessoas vivem mais e melhor do que em qualquer outro período da História. Mas os avanços científicos transformaram os processos de envelhecer e morrer em experiências médicas, questões a serem geridas por profissionais de saúde. E nós, no meio médico, demos assustadoramente provas de não estarmos preparados para isso. Esta realidade tem estado, em grande parte, escondida, uma vez que as fases finais da vida são cada vez menos familiares para as pessoas. (…) A morte, como é óbvio, não é um fracasso. A morte é normal. A morte pode ser o inimigo, mas é também a ordem natural das coisas. (…) Não é preciso passar muito tempo com pessoas idosas ou doentes em fase terminal para ter a noção da quantidade de vezes que a Medicina não consegue socorrer as pessoas que supostamente deveria ajudar. Os derradeiros dias da nossa vida são ocupados com tratamentos que nos baralham o cérebro e sugam o nosso corpo até ao tutano, em busca de uma ínfima hipótese de obter um resultado benéfico. São passados em instituições – casas de repouso e unidades de Cuidados Intensivos -, onde rotinas rígidas e impessoais nos afastam de todas as coisas que são importantes para nós na vida. A nossa relutância em analisar honestamente a experiência do envelhecimento e morte agravou o mal que infligimos às pessoas e negou-lhes os confortos básicos de que mais necessitam. (…) Há quem ficará assustado com a ideia de um médico escrever sobre a inevitabilidade do declínio e morte. Para muitas pessoas, este tipo de conversa, por mais cuidado que se tenha a enquadrá-la, evoca o espectro de uma sociedade a preparar-se para sacrificar os seus doentes e velhos. Mas, e se (…) já estiverem a ser sacrificados, já forem vítimas da nossa recusa em aceitar a inexorabilidade do ciclo da vida?»

Atul Gawande, Introdução a Being Mortal.

17 de Maio de 2015

 

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A pretexto do combate que filósofos e matemáticos travaram, durante a primeira metade do século XX, em busca do fundamento lógico de toda a matemática, Logicomix , cujos conceito e história são da autoria de Apostolos Doxiadis e Christos H. Papadimitriou, ficciona fielmente a vida e o cruzamento de Bertrand Russell com uma série de intelectuais e pensadores que debateram semelhantes questões filosóficas, numa intrincada, fascinante, dinâmica e admirável estrutura narrativa - composta por diversos níveis de construção que, como referiu Jorge Buescu, entrelaçam subtilmente entre si e as ideias que procuram transmitir -, expondo, de forma rigorosa, desenvolta e surpreendentemente acessível no seu conteúdo, os elementos básicos de grandes formulações teóricas da matemática e da filosofia moderna, tais como os algoritmos, os axiomas, o cálculo de predicados, os fundamentos da matemática, a lógica, o paradoxo de Russell, a teoria da incompletude ou a teoria dos conjuntos, entre outras, configurando um exemplo superior de um género específico de banda desenhada: a novela gráfica, concebida, neste caso, como uma inesgotável fonte de conhecimento.

 

10 de Maio de 2015

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Folheada, a folha de um livro retoma

o lânguido e vegetal da folha folha,

e um livro se folheia ou se desfolha

como sob o vento a árvore que o doa;

folheada, a folha de um livro repete

fricativas e labiais de ventos antigos,

e nada finge vento em folha de árvore

melhor do que vento em folha de livro.

Todavia a folha, na árvore do livro,

mais do que imita o vento, profere-o:

a palavra nela urge a voz, que é vento,

ou ventania varrendo o podre a zero.

 

Silencioso: quer fechado ou aberto,

inclusive o que grita dentro; anônimo:

só expõe o lombo, posto na estante,

que apaga em pardo todos os lombos;

modesto: só se abre se alguém o abre,

e tanto o oposto do quadro na parede,

aberto a vida toda, quanto da música,

viva apenas enquanto voam suas redes.

Mas apesar disso e apesar de paciente

(deixa-se ler onde queiram), severo:

exige que lhe extraiam, o interroguem;

e jamais exala: fechado, mesmo aberto.

João Cabral de Melo Neto, A Educação Pela Pedra

 

03 de Maio de 2015

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Nelly é uma sobrevivente desfigurada dos campos de extermínio nazis. No pós-guerra, após se sujeitar a uma operação de reconstituição facial que a tornou irreconhecível, regressa a Berlim para encontrar o marido, que, crê-se, a terá traído denunciando-a aos nazis. Quando o localiza, este, não a reconhecendo, propõe-lhe que finja quem realmente é para conseguir a sua herança, procurando tirar proveito daquela que, embora não o saiba, é a própria mulher. Resgatando o legado do cinema clássico americano sob a variação do tema da mulher que se transforma no seu duplo (a presença central de Vertigo, de Hitchcock, mas não só), Christian Petzold, num estilo cada vez mais contido, subtil e depurado, constrói um portentoso e amargo edifício estético que abala qualquer crença no mito da reabilitação súbita da Alemanha do período pós-segunda guerra mundial - regeneração que lhe permitiu renascer das cinzas e tornar-se o principal motor da Europa -, configurando um conjunto de personagens que representa uma prolongada anestesia, um vazio moral e um esquecimento mecanicamente acolhidos. Pleno de contenção, comoção e intensidade, Phoenix, há que dizê-lo sem receio, é uma obra-prima do cinema contemporâneo.

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:43 link do post
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