a dignidade da diferença
29 de Março de 2015

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Rara e magnífica associação de música e poesia, Entre Nós e as Palavras, obra gravada em 1995 pelos músicos que constituem o grupo Os Poetas (alguns deles vieram dos Madredeus originais), trouxe para a luz do dia a soberania das vozes e das palavras de verdadeiros poetas: António Franco Alexandre, Al Berto, Mário Cesariny, Herberto Helder e Luísa Neto Jorge. Se provavelmente escapará a poucos que cada um dos poemas já possui naturalmente a sua dinâmica, o seu próprio ritmo, andamento, espaço ou respiração, o grupo encontra neste exercício de articulação com uma música de câmara minimalista, de bela e delicada textura, com as suas pausas e vibrações, os seus compassos, andamentos ou repetições, pretexto para aprofundar o significado das palavras, ampliar a sua dimensão, conferir uma ajustada teatralidade e intensidade, bem como partilhar com o seu semelhante as alucinações e fragilidades, o novelo de fúria e inquietação, a magia e a solidão dos poetas. Um disco único e magnífico, onde sobressai simultaneamente uma diversidade e uma unidade estilística, enriquecendo, por um lado, o vocabulário dos seus autores e evitando, por outro, que este se disperse desnecessariamente.

 

 

22 de Março de 2015

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Como foi amplamente noticiado na devida altura, Paulo de Morais, Vice-Presidente da Associação de Integridade e Transparência, foi convidado pela Comissão de Inquérito ao Banco Espírito Santo a apresentar as provas documentais sobre aquilo que tem afirmado a respeito dos empréstimos do BES em Angola, designadamente acerca da identificação dos beneficiários dos empréstimos de milhões do BES em Angola. Paulo Morais, contudo, como revelou o semanário Expresso, limitou-se a remeter à Assembleia da República uma lista com quinze nomes, acompanhada, a título de prova, por recortes do jornal angolano Folha 8 e pelos seus próprios comentários e convicções, divulgados em artigos de opinião e programas de televisão. Criticado pelos deputados pela «leviandade de achar que a sua opinião podia ser documentação», Paulo de Morais ripostou, aconselhando-os a contactar as pessoas que compõem a lista, avisando, porém, que «eles não falam porque está lá a família do presidente angolano e se calhar não querem afrontar as pessoas que integram essa lista…». Bem vistas as coisas, nada que surpreenda, tratando-se do autor de «Da Corrupção à Crise Que Fazer?», livro onde misturava desnecessariamente «um estilo excessivamente incendiário e acusatório, sem substância, típico de conversas corriqueiras de café, numa linguagem intencionalmente polémica, o género de dieta que alimenta diariamente jornais como o Correio da Manhã - recorrendo por diversas vezes a insinuações mais ou menos vagas e genéricas, tirando daí algumas conclusões ao sabor da opinião pública, as quais na sua maioria não se afastam de meros lugares comuns ou chavões gastos, repetidos e vazios na sua essência – com algumas denúncias certeiras e eficazes de situações concretas, apontando amiúde o dedo às pessoas certas». O necessário combate à falência moral de um naco considerável dos agentes económicos e políticos deste país exige mais dos seus líderes...

publicado por adignidadedadiferenca às 20:07 link do post
14 de Março de 2015

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Em 1953, Ray Bradbury escreveu uma surpreendente história sobre um regime totalitário imaginário que proíbe a leitura de livros numa civilização futurista, prendendo os seus possuidores e queimando as suas casas, bem como os respetivos livros. Essa indigníssima tarefa era executada por uma corporação de bombeiros que ateava fogos em vez de apagar incêndios. Fahrenheit 451 - assim se intitula esta engenhosa e concisa construção literária em cenário de ficção científica - denuncia eficazmente um modelo civilizacional inquietante no qual a felicidade e o bem-estar das pessoas são garantidos pela via do comodismo, da apatia, do vazio mental, da crença na futilidade e do conformismo no domínio das ideias e do conhecimento. Porém, para configurar essa sociedade amestrada, a classe dominante necessita de amordaçar e destruir a cultura, conhecida a capacidade desta para motivar a transgressão, abalar convicções, suscitar dúvidas, desenvolver a inteligência e modificar as acções e os comportamentos humanos. Perante o perigo de contágio, uma pequena seita de resistentes, escondidos numa paisagem desolada, reage ao medo e à destruição encarregando cada um dos seus membros de uma empreitada singular: decorar um livro para posterior recitação. Mas como Truffaut tão intensamente demonstrou - na magnífica e complexa adaptação cinematográfica do livro, em 1966 -, esse lugar ocupado por homens-livro, não é, contudo, menos inquietante, porque aquelas pessoas, não obstante a sua liberdade, deixaram de conhecer qualquer outro prazer que não seja o deleite exclusivo da recitação.

 

08 de Março de 2015

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«Emily Dickinson julgava que publicar não é parte essencial do destino de um escritor. Juan Rulfo parece partilhar esse parecer. Devoto da leitura, da solidão e da escrita de manuscritos que revia, corrigia e destruía, só publicou o seu primeiro livro – A Planície em Chamas (1953) – quase ao fazer quarenta anos. Um amigo teimoso, Efrén Hernández, arrancou-lhe os originais e fê-los publicar. Esta série de dezanove contos prefigura de algum modo o romance que o tornou famoso em muitos países e em muitas línguas. A partir do momento em que o narrador (…) se cruza com um desconhecido que lhe declara que são irmãos e que toda a gente da aldeia se chama Páramo, o leitor já sabe que entrou num texto fantástico, cujas indefinidas ramificações não lhe é dado prever, mas cuja gravitação já o agarra. (…) A história, a geografia, a política, a técnica de Faulkner e de certos escritores russos e escandinavos, a sociologia e o simbolismo foram interrogados com afã, mas ninguém conseguiu, até agora, desfazer o arco-íris. Pedro Páramo é um dos melhores romances (…) da literatura.»

Jorge Luis Borges, Biblioteca Personal

01 de Março de 2015

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Les Parapluies de Cherbourg (Os Chapéus-de-Chuva de Cherbourg), de Jacques Demy, será a alma gémea cinematográfica de Splendor in the Grass (Esplendor na Relva), de Elia Kazan, não obstante se afastar das obsessões eróticas nem se deixar inundar pela intensidade dramática deste último. Contudo, como mui acertadamente notou João Bénard da Costa, quando a seu tempo escreveu sobre o primeiro, «Geneviève e Guy amaram-se de um amor tão novo e tão carnal como os heróis de Kazan e também não foram capazes de resistir às famílias, às separações e às ausências. O tempo deles passou sem que eles se apercebessem da passagem. Casaram-se trocados, com o “boy next door” ou com a “girl next door”, os que souberam durar mais e persistir mais. E quando, no fim, se reencontram, ela de casaco de peles, ele na estação de gasolina, há a mesma tristeza inenarrável do último encontro de Natalie Wood e Warren Beatty». Não conheço muitos filmes tão iluminados por essa lucidez desencantada, por esse sabor agridoce, como sucedeu no musical cantado e encantado do cineasta francês – ancorado na magnífica música de Michel Legrand – ou invadidos por uma tensão no limite do suportável como acontece no sublime drama - a roçar a tragédia - de Elia Kazan, sobressaindo em ambos uma capacidade rara para utilizar a cor com força expressiva. Revi maravilhado, há dias, o primeiro e fiquei com uma vontade imensa de voltar a pegar no segundo.

 

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publicado por adignidadedadiferenca às 23:54 link do post
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