a dignidade da diferença
02 de Fevereiro de 2014

Incluído numa recolha de poemas dispersos dos anos 70, do século XX, publicada já num período de completo amadurecimento estilístico do seu autor, Pornocine é aqui recordado como um fiel e conseguido exemplo da poesia feroz, comunicativa, inesperada, solta e obstinada de Alexandre O’Neill; autêntico canto maior da nossa literatura. Em suma, um testemunho feliz de uma escrita rica e complexa, uma linguagem nova, avessa ao conforto e às boas maneiras, plena de contradições, desencantos e portentosas invenções formais (uma coisa em forma de assim…), que merece um lugar único e privilegiado na história da poesia portuguesa e da sua modernidade, e não esse imperdoável e vil esquecimento a que injustificadamente tem sido votada mais recentemente.

 

 

Ah, deixem-se de abraços e de beijos,

de grandes planos de frentes e traseiros!

Não se lambam sob a luz cruenta

dos projectores.

Poupem-nos a essas cópulas

tecnicolores.

Na posição de «o missionário», denegrida,

ainda se move muita gente, muita vida.

                                       

                                        E se a Carole não gosta, gosta a Ana!

                                        E viva o sexual fim-de-semana!

 

A gratificação oral, que põe os olhos

do homem iguais aos do carneiro

mal morto,

é barco balanceiro

que encontra, no cinema, alguns escolhos,

por isso não se pisam os canteiros

ao entrar em tal horto.

                                        E se a Carole não gosta, gosta a Ana!

                                        E viva o sexual fim-de-semana!

 

Das cruas sodomias

pé ante pé a câmara se aproxima.

Por ângulos interessantes,

quase espiritualizam os amantes.

Bertolucci emprega a margarina

no seu escabroso edificante.

Porém, lambe de mais o filme,

lambe de mais a cria,

e é assim – clássico! – que já está na estante…

 

                                        E se a Carole não gosta, gosta a Ana!

                                        E viva o sexual fim-de-semana!

 

Mais corajoso – e feio – o Pasolini serve-se

do amor com truculência, verve

e poucas ilusões.

Nele, a fornicação é quase sempre assalto

a privilégios.

Talvez por isso não mandem os colégios

Ver as suas sessões…

                                        E se a Carole não gosta, gosta a Ana!

                                        E viva o sexual fim-de-semana!

 

De modo que a câmara aguenta

mais depressa a velatura que a franqueza.

Para que Eros durma em nossa casa

É preciso saber abrir-lhe a cama

E pôr-lhe a mesa…

 

                                        E se a Carole não gosta, gosta a Ana!

                                        E viva o sexual fim-de-semana,

                                        eroturismo à portuguesa!

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