«A mente humana não tem acesso à totalidade das causas dos fenómenos. A alma humana, porém, foi provida da necessidade de procurar as causas. Assim, a mente humana, incapaz de penetrar na imensidade e na complexidade das condições que geram os fenómenos, cada uma das quais em separado pode afigurar-se-lhe a causa, agarra-se à primeira e mais próxima, mais compreensível, e diz: eis a causa. Nos acontecimentos históricos (em que o objecto de observação são as acções humanas), apresentava-se outrora como causa próxima, da maneira mais primitiva, a vontade dos deuses; depois, passou a ser a vontade dos homens que ocupam o lugar de maior ressonância na história: os heróis históricos. Basta porém que aprofundemos a essência de qualquer acontecimento histórico, ou seja, a actividade de toda a massa de pessoas que participaram no acontecimento, para nos convencermos de que a vontade do herói histórico não só não dirige as acções das massas como é dirigida, ela própria, permanentemente.
À primeira vista, a compreensão do acontecimento histórico deste ponto de vista ou de outro é indiferente. No entanto, entre uma pessoa que diz que os povos do Ocidente foram para o Leste, porque Napoleão assim o quis e uma pessoa que diz que isso ocorreu, porque tinha de ocorrer, existe a mesma diferença que havia entre as pessoas afirmavam que a Terra está parada e os planetas giram à sua volta e aquelas que afirmavam que não sabiam em que se apoiava a Terra, mas sabiam que existem leis que gerem o movimento tanto da Terra como dos outros planetas. As causas do acontecimento histórico não existem, nem podem existir, para além da única causa de todas as causas. No entanto, há leis que gerem os acontecimentos, em parte desconhecidas, em parte pressentidas por nós. A descoberta de tais leis será possível quando desistirmos por completo de procurar as causas na vontade individual de uma pessoa, tal como a descoberta das leis do movimento dos planetas só se tornou possível quando as pessoas rejeitaram o conceito de imobilidade da Terra.»
Lev Tolstói, Guerra e Paz, Livro IV, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra