Cristina Branco descreve o seu mais recente trabalho como «um retrato com tanto de cru como de irónico e sensível do homem e da mulher de todos os dias, do café, do fim da rua, do virar da esquina, de qualquer parte do país ou largado no mundo». O sentido dos textos não engana, os tempos são difíceis e a autora endurece o seu discurso. Assumindo como missão despertar algumas consciências adormecidas, Cristina Branco vai, contudo, muito mais longe: o significado que atribui às palavras não é unívoco e o título Alegria não esconde a ideia paradoxal que se estende por todo o álbum («as duas faces da mesma moeda», como refere Cristina Branco). Por sua vez, a voz doce, cristalina e expressiva da cantora amacia o tom grave da maioria das canções, mas combina surpreendentemente aquela aparente suavidade com uma ironia, um atrevimento, uma graça e uma carga dramática que foram crescendo ao longo da sua carreira e permitem, por fim, que aquela voz atinja o cume da sua capacidade. Afastando-se deliberada e definitivamente da matriz cristalizada do fado, a matéria musical diversificada de Alegria amplia, identifica e desmonta o sentido dos textos, enriquecendo-o com uma cuidada atenção aos detalhes, uma disposição e um encaixe perfeitos dos diferentes materiais sonoros e um rigor e uma precisão típicos de um relojoeiro, cuja conjugação se materializa num disco com uma qualidade imprevisível, numa música sem tempo e sem fronteiras que não se sente limitada quando parte em busca dos seus estímulos.