Num dos seus filmes mais intrinsecamente cinematográficos, Rear Window (Janela Indiscreta, no título português), Alfred Hitchcock projeta o mundo à imagem do protagonista principal, numa das obras em que este tem uma conexão mais profunda com o espectador. Se no plano puramente cinematográfico, no qual a montagem assume um papel essencial para condicionar a reação imediata do espectador cúmplice, o filme era já um prodígio, neste espaço interessa-me sobretudo avaliar até onde poderá ir a invasão da privacidade alheia ou como localizar e estabelecer a fronteira entre o que é admissível e o que é excessivo (por violar um imperativo ético ou moral). Hitchcock coloca, como poucos, o dedo na ferida; o mundo que o protagonista nos oferece é aquilo que ele vê «ao espreitar pelas janelas dos vizinhos». Podendo optar, os personagens do filme não deixam, contudo, de olhar. Como acontece, por exemplo, nessa cena lapidar onde Lisa, após criticar o comportamento de Jeff no momento em que este espreita o quarto do vizinho - denunciando a sua baixeza moral -, desvia o olhar para fixá-lo hipnoticamente entre as persianas do apartamento em frente, dedicando uma atenção exclusiva ao que se passa dentro das suas divisões. Cada um tira as conclusões que entender, mas, no fundo, somos todos voyeurs…