a dignidade da diferença
29 de Setembro de 2012

 

Maria Madalena Penitente, 1580

 

É praticamente impossível abordar o trabalho pictórico de El Greco, debruçarmo-nos sobre a sua evolução e não reparar na influência que Tiziano exerceu sobre aquele, sobretudo naquela fase cujos indícios revelam uma persistente tentativa de apurar a técnica original e o admirável cromatismo do mestre veneziano, modificando-o de forma assaz meritória. O momento supremo desta subtil modificação estilística atinge-o El Greco na magnífica Maria Madalena Penitente, na qual o pintor grego despe a visão original de Tiziano de toda a sua carga erótica, reconfigurando o essencial dos elementos que compõem o quadro, transfigurando o requinte estético da Madalena Penitente de Tiziano numa obra renovada, de prodigiosa meditação e devoção espiritual.

 

Madalena Penitente, 1561

publicado por adignidadedadiferenca às 13:33 link do post
21 de Setembro de 2012

 

 

O primeiro facto a reter é o ciclo sobre o cinema do brasileiro Glauber Rocha, programado pela Cinemateca Portuguesa para este mês de setembro. Oportunidade para recuperar a urgência, a atualidade e as fascinantes contradições da visão simultaneamente poética, desencantada e  surreal dos ainda hoje magníficos Deus e o Diabo na Terra do Sol, Terra em Transe ou António das Mortes, entre outros cuja dinâmica seria um erro menosprezar. E, face aos tempos conturbados por que passamos, o cinema de Glauber Rocha é também uma excelente oportunidade para (re)pensar o modo de viver no mundo contemporâneo.

 

 

O título poderia ser A racionalidade das pessoas pobres. Uma obra onde os seus autores, Abhijit V. Banerjee e Esther Duflo, professores de economia nos EUA, avançam com um conjunto de ideias diferentes e ousadas sobre o modo como enfrentar o eterno problema da luta contra a pobreza e ultrapassar o dogma do fracasso a que, regra geral, está condenada. Fica desde já um aviso deixado pelos autores, o qual passo a citar: «a maioria dos programas destinados aos pobres em todo o mundo é financiada pelos recursos dos próprios países pobres». Um trabalho honesto e militante.

 

 
O reportório de Beethoven reinterpretado por Andreas Staier. Um trabalho analítico, tenso e elaborado do assombroso cravista alemão, no qual transparence claramente uma releitura profundamente pensada e personalizada que sujeita as abissais Variações Diabelli, de Beethoven - cuja dimensão estética ainda hoje impressiona, sobretudo quando comparada com a obra dos compositores seus contemporâneos -, a prodigiosas e inventivas modificações, permitindo quase milagrosamente uma audição renovada, sem, contudo, descaracterizar o essencial da sua matriz musical original. Um disco raro e esplêndido.
16 de Setembro de 2012

 

 

A lei autárquica é clara e concisa no que diz respeito à limitação dos mandatos estabelecendo que «o presidente de câmara municipal e o presidente de junta de freguesia só podem ser eleitos para três mandatos consecutivos, salvo se no momento da entrada em vigor da presente lei tiverem cumprido ou estiverem a cumprir, pelo menos, o 3.º mandato consecutivo, circunstância em que poderão ser eleitos para mais um mandato consecutivo». Contudo, os nossos políticos, no preciso momento em que o diploma produz os seus efeitos – decidiram contestar o seu conteúdo, admitindo que quem atingiu aquele limite de mandatos pode voltar a candidatar-se desde que o faça noutra autarquia. O sentido da norma é tão evidente que não é fácil compreender a razão de ser desta polémica, desde que a análise não se afaste obviamente da sua vertente técnico-jurídica; ou seja, o legislador não se preocupou em identificar o que é permitido porque quis sobretudo deixar vincado aquilo que não permite, pois a sua finalidade é impedir a proliferação das famigeradas rede de interesses e favorecimentos, assim como evitar o excessivo apego ao poder característico da maioria dos nossos autarcas. É, contudo, esta perspetiva bem diferente, focada no caciquismo político, que nos permite compreender melhor aquela contestação. Com tantos políticos em risco no panorama autárquico, resolveu-se a situação da pior maneira. Era de esperar outra coisa?

 

* Da nova série: Portugal de luto.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:10 link do post
08 de Setembro de 2012

 

 

«Idealmente, não são as obras que devem agradar aos homens, mas os homens que deveriam tentar estar à altura das obras. Não cabe ao espectador/consumidor escolher a sua obra, mas à obra escolher o seu público, determinando quem é digno dela. Não nos compete julgar Baudelaire ou Malevitch; são eles que nos julgam e que julgam a nossa faculdade de julgamento. A obra, nesta perspectiva, não deve estar ao “serviço” do sujeito que a contempla. Podíamos dizer da arte o que é válido para a ética: estabelece parâmetros, indica onde é que os indivíduos deveriam esforçar-se por chegar – e não o contrário. Uma das funções da arte foi sempre mostrar aos indivíduos um mundo superior, no qual encontrávamos a liberdade e a intensidade cuja ausência se fazia sentir tão cruelmente na vida de todos os dias. A arte deixava entrever modos de vida mais elevados e mais essenciais, tanto na epopeia como na primeira pintura abstrata – e confrontava assim o individuo com o estado do mundo real.»

Anselm Jappe, Sobre a Balsa da Medusa, tradução de José Alfaro

03 de Setembro de 2012

 

 

Ontem não desperdicei a oportunidade de rever Opening Night, realizado em 1977 por John Cassavetes, um dos autores mais importantes do cinema independente (e do cinema em geral, obviamente). Convivendo naturalmente com o mundo do teatro, o filme de Cassavetes aborda de forma magistral alguns dos temos mais caros ao seu autor, tais como a complexa relação existente entre a atriz principal (fabulosa representação de Gena Rowlands) e a personagem que interpreta, ou a meditação fascinante sobre os seus medos, angústias e perturbações. Mas não se fica por aqui a obra do saudoso realizador norte-americano; Cassavetes explora e adensa o receio pela perda de quem tanto depende do fulgor físico, realça as emoções à flor da pele, desnuda as pequenas dores da alma, enfrenta os paradoxos existenciais sobre o envelhecimento. Mas, numa escala de valores minimamente séria, tão importante como os temas que se abordam é a linguagem (cinematográfica) que se utiliza para a sua divulgação. E neste domínio Cassavetes também não falha: a mise-en-scène é simples mas expressiva, mergulha nas ideias de forma cuidada mas incisiva e a câmara dialoga com as personagens de forma lúcida e por métodos singulares e inesperados. E se tudo o que já se disse espelha fielmente aquilo que o filme tem de muito bom, verdadeiramente inesquecível é a lição que o cineasta demonstra ter aprendido com o genial Ingmar Bergman: mostrar através do rosto aquilo que nos vai na alma (os famosos e fabulosos grandes planos). Contudo, numa época em que assistimos inertes à absoluta relativização dos valores culturais e ao definhamento desavergonhado do gosto comum, aposto que já (quase) ninguém quererá hoje em dia ver este filme.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 21:12 link do post
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