Eis um exemplo magnífico, retirado da prodigiosa caracterização da sociedade francesa - temporalmente situada na viragem do século XIX para o século XX - ou da veemente demonstração da impossível conciliação entre o individuo e a sociedade que o rodeia, que formam, no domínio estético e literário, o hiperclássico Em Busca do Tempo Perdido, de que, para Proust, a realidade (sinuosa, na sua perspetiva) permanece esquecida no nosso inconsciente e só se recupera quando a memória a invade num ou mais gestos involuntários: «E era evidente que todos esses diferentes planos segundo os quais o Tempo, desde que há pouco o recapturara nesta festa, arrumava a minha vida, fazendo-me pensar que, num livro que quisesse contar uma vida, seria preciso utilizar, ao contrário da psicologia plana habitualmente utilizada, uma espécie de psicologia no espaço, acrescentavam uma beleza nova a essas ressurreições que a minha memória ia operando enquanto refletia a sós na biblioteca, visto que a minha memória, ao introduzir o passado no presente sem o modificar, tal qual ela era no momento em que era presente, suprime precisamente essa grande dimensão do Tempo segundo a qual a vida se realiza.»
Marcel Proust, O Tempo Reencontrado, traduzido por Pedro Tamen