Um elenco de livros cuja leitura seja absolutamente necessária e sem os quais não haja saúde nem cultura, não existe. Em vez disso, há para cada homem um notável número de livros nos quais precisamente ele, o indivíduo, pode encontrar satisfação e prazer. Descobrir gradualmente estes livros, entabular uma relação duradoura com os mesmos, possivelmente apropriarmo-nos deles pouco a pouco, até os tornarmos uma posse extrínseca e intrínseca estável, constitui uma tarefa específica e pessoal para cada indivíduo, que ele não pode descurar sem restringir substancialmente o âmbito da sua própria cultura e das suas próprias alegrias e, com isso, o valor da sua própria existência. (…) Para determinar o valor que um livro pode ter para mim, o facto de o mesmo ser famoso ou de estar na moda não tem praticamente nenhum relevo. Os livros não existem para que todos os leiam e encontrem neles um tema de conversas mundanas durante um certo tempo e depois os esquecem, como se faz com a última notícia desportiva ou de crónica policial: os livros querem ser gozados e amados com calma e seriedade. Só então nos revelarão as suas íntimas belezas e virtudes.
A maior parte dos homens não sabe ler e a maioria não sabe bem porque é que lê. Os primeiros vêem na leitura um caminho, bastante cansativo mas incontornável, para a «instrução» e, por muito que leiam, tornam-se, no máximo, «instruídos». Os outros têm dela um conceito de distracção ligeira com a qual passar o tempo; não importa, substancialmente, aquilo que se lê, basta que não seja aborrecido. (…) Não serve de nada conhecer a história da literatura se de cada livro que lermos não obtivermos alegria, conforto, força ou paz de espírito. Ler despreocupada e distraidamente é como passar numa bela paisagem de olhos vendados. Nem devemos ler para nos esquecermos de nós próprios e da nossa vida quotidiana mas sim, ao invés, para que nos seja possível retomar entre mãos, com maior consciência, firmeza e maturidade, a nossa existência. (Tradução de Virgílio Tenreiro Viseu)