Parece que os nossos governantes já terão decidido a privatização irreversível da RTP. Será um dano incalculável a inexistência de um canal público de televisão. Devíamos estar a discutir a qualidade do serviço público que a televisão deveria prestar e não a sua existência. Como claramente referiu António Pedro Vasconcelos, comparado a situação à que se vive na Justiça «Não há nenhum português que não se queixe da justiça mas nenhum diz que prefere as milícias privadas». Depois de se saber aquilo que vão fazer com a Cinemateca Portuguesa - programação condicionada a critérios de bilheteira e passando pelo crivo do Secretário de Estado da Cultura -, iremos assistir ao prolongamento dos disparates culturais típicos da cegueira e da ignorância neo-liberal, cuja doutrina tem sido a bandeira deste Governo. Mas continuemos, a propósito, com APV, que é dos poucos que tem autoridade para falar do assunto, neste pequeno excerto da óptima entrevista que deu ao semanário Expresso: «Sabes que se diz que o cinema é a memória e a televisão é o esquecimento. Dizia o Fellini quando fez o “Ginger e Fred”. Ele sabia a televisão que vinha aí, uma torneira de deitar imagens. E o que ninguém diz é que a democracia faliu. Porque é que é um crime de lesa-pátria deixar de exigir a melhoria da televisão e rádio públicas? (…) Podes criticar muito a televisão pública mas é a única que não tem telenovelas. Que tem uma programação vertical, que tem um telejornal que impede os outros de serem uma vergonha. Como dizia o homem do Channel 4, a BBC obriga-nos a ser melhores. Onde é que aparecem todos os grandes humoristas portugueses? Na RTP. Estou longe de achar que o “Prós e Contras” é o melhor programa do mundo, mas é o único onde ainda podes discutir alguma coisa. É na RTP que podes ver documentários. Os portugueses vêem cinema três horas e meia por ano e vêem 3 horas e meia por dia de televisão. A bandalheira começou com o “Big Brother”, que deu origem aos noticiários de hora e meia. Noticiários sob forma de folhetim. Para que serve um telejornal numa privada? Não é para informar. Serve para fixar o espectador ao prime-time e para marcar a agenda política.»