a dignidade da diferença
30 de Outubro de 2011

 

 

O escapismo sempre funcionou legitimamente para a grande maioria das pessoas como a melhor forma de atravessar os problemas mais difíceis das suas vidas. No período da Grande Depressão, o cinema encontrou no génio coreográfico de Busby Berkeley uma das formas mais eficazes para entreter a população. Perante a crise e a dura realidade, Berkeley respondia com a delirante fantasia. Um conjunto de histórias simples, sob pano de fundo musical e em tom ligeiro de comédia, foram a alavanca para a prodigiosa imaginação de Busby Berkeley - sobretudo Rua 42 e Orgia Dourada. Da sua cabeça deslizaram para o cinema algumas das ideias visuais mais fulgurantes da sua história; nele, era a câmara que tomava conta dos acontecimentos: ângulos impossíveis, corpos dançantes desafiando escalas, movimentos simétricos e planos picados sobre as bailarinas, configuram uma assombrosa sequência de imagens sensuais e semi-abstractas. Nos seus anos dourados, Berkeley possuía um talento admirável, ousado e elegante, cuja natureza visual contribuiu largamente para modificar a nossa forma de compreendermos culturalmente aquilo que vemos. Ao contrário do que supõe quem ocupa actualmente o seu tempo com A Casa dos Segredos e os gordinhos da Bárbara Guimarães, o melhor entretenimento sempre foi inteligente. Faltando nos dias de hoje um talento genuíno, não há como regressar ao passado. É difícil não ficarmos paralisados perante uma cena destas…

  

publicado por adignidadedadiferenca às 01:30 link do post
26 de Outubro de 2011

 

The Beach Boys: God Only Knows

 

 

 

Reza a lenda que, por estarem distraídos ou talvez entretidos com outras coisas, os restantes Beach Boys deixaram o génio de Brian Wilson à solta sem se preocuparem propriamente com o que estava a ser musicalmente idealizado. Era difícil imaginar um resultado mais perfeito; onze admiráveis sinfonias de bolso, estruturadas para um tempo que não aquele, – e God Only Knows será, quiçá, a mais extraordinária do conjunto (raramente uma canção pop teve uma substância tão espiritual) – compõem um disco único, imaterial e irrepetível: Petsounds.

publicado por adignidadedadiferenca às 23:29 link do post
23 de Outubro de 2011

 

 

Quase ninguém, hoje em dia, se interessa pela crítica; seja ela sobre cinema, literatura, pintura, música, teatro ou sobre qualquer outra forma de expressão artística. E, dos poucos que restam, a sua preocupação dirige-se essencialmente para as estrelas que os críticos dão – só lhes interessa saber se gostam ou não –, havendo muito pouco espaço para a leitura e compreensão dos textos (é verdade que muitos críticos também ajudam muito pouco). A grande maioria das pessoas fala daquilo que (quase) não sabe, não se envergonha com a sua ignorância, não procura debater ideias ou esgrimir argumentos, não quer sobretudo entender a razão dos outros. Conheço muito poucos que tenham lido, por exemplo, livros sobre cinema, sobre música, sobre pintura, ou ensaios sobre literatura. Não se procura cimentar uma ideia de debate crítico. Saber um pouco (ou melhor, muito) da sua história era capaz de ajudar bastante. Na medida em que talvez contribua para estruturar melhor e densificar mais o raciocínio, em prol da liberdade crítica e da autonomia de pensamento. Uma boa maneira de começar é pegar na óptima Biografia do Filme, do escocês Mark Cousins, conhecido crítico e produtor de filmes. Trata-se de uma boa história do cinema, escrita por quem procura traçar de uma forma sistematizada, com a profundidade que uma obra destas sempre limitará, a evolução do cinema enquanto indústria e linguagem estética. O seu autor distancia-se do percurso normal característico destes trabalhos, dirigido basicamente à enunciação das obras-primas, percorrendo sobretudo os factores típicos de importantes movimentos, a inovação estética e os filmes que mostraram o futuro, através de um notável sentido de concisão e informação. Trata-se de um trabalho muito competente e estimulante que poderá despertar nos seus leitores o desejo de procurar os filmes que não conhecem e regressar aos que já assistiram mas que merecem outra atenção.

publicado por adignidadedadiferenca às 00:10 link do post
19 de Outubro de 2011

 

Tim Buckley: Song To The Siren

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:35 link do post
16 de Outubro de 2011

 

 

Um elenco de livros cuja leitura seja absolutamente necessária e sem os quais não haja saúde nem cultura, não existe. Em vez disso, há para cada homem um notável número de livros nos quais precisamente ele, o indivíduo, pode encontrar satisfação e prazer. Descobrir gradualmente estes livros, entabular uma relação duradoura com os mesmos, possivelmente apropriarmo-nos deles pouco a pouco, até os tornarmos uma posse extrínseca e intrínseca estável, constitui uma tarefa específica e pessoal para cada indivíduo, que ele não pode descurar sem restringir substancialmente o âmbito da sua própria cultura e das suas próprias alegrias e, com isso, o valor da sua própria existência. (…) Para determinar o valor que um livro pode ter para mim, o facto de o mesmo ser famoso ou de estar na moda não tem praticamente nenhum relevo. Os livros não existem para que todos os leiam e encontrem neles um tema de conversas mundanas durante um certo tempo e depois os esquecem, como se faz com a última notícia desportiva ou de crónica policial: os livros querem ser gozados e amados com calma e seriedade. Só então nos revelarão as suas íntimas belezas e virtudes.

 

 

A maior parte dos homens não sabe ler e a maioria não sabe bem porque é que lê. Os primeiros vêem na leitura um caminho, bastante cansativo mas incontornável, para a «instrução» e, por muito que leiam, tornam-se, no máximo, «instruídos». Os outros têm dela um conceito de distracção ligeira com a qual passar o tempo; não importa, substancialmente, aquilo que se lê, basta que não seja aborrecido. (…) Não serve de nada conhecer a história da literatura se de cada livro que lermos não obtivermos alegria, conforto, força ou paz de espírito. Ler despreocupada e distraidamente é como passar numa bela paisagem de olhos vendados. Nem devemos ler para nos esquecermos de nós próprios e da nossa vida quotidiana mas sim, ao invés, para que nos seja possível retomar entre mãos, com maior consciência, firmeza e maturidade, a nossa existência. (Tradução de Virgílio Tenreiro Viseu)

10 de Outubro de 2011

 

 

Centrado numa ideia muito particular da relação do Homem com a Natureza, Zemlia (A Terra), de Aleksandr Dovjenko, genial cineasta ucraniano, é um extraordinário filme panteísta, onde a natureza, munida de uma unidade vital e dinâmica, é concebida como um ser divino. Nele, existe uma harmonia espantosa entre os gestos ondulantes das searas, o olhar pensativo dos animais e o movimento dos corpos que trabalham na terra, revela-se um brilho sobrenatural quando pinta os frutos e as flores. Filme mudo, de 1930, com uma detalhada e preciosíssima fotografia a preto e branco (naturalmente!), ossui uma riqueza cromática muito superior a imensos dos posteriores filmes a cores. Concebido como um extraordinário poema visual, fruto de um acentuado lirismo assente no olhar maravilhado do seu autor, Zemlia dança entre planos gerais e grandes planos, profetiza sobre o que a vida tem de mais belo, regozija com a sua doçura, sonha com o paraíso e faz-nos esquecer, simultaneamente, como dele se afasta na realidade a condição humana. Um filme admirável, cuja imensa mise-en-scène nos consegue mostrar, nos seus 78 minutos de duração, como «a vida será doce, meiga e leve como um afago». Vimo-lo, pela primeira vez, esta noite.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:38 link do post
06 de Outubro de 2011

 

 

Parece que os nossos governantes já terão decidido a privatização irreversível da RTP.  Será um dano incalculável a inexistência de um canal público de televisão. Devíamos estar a discutir a qualidade do serviço público que a televisão deveria prestar e não a sua existência. Como claramente referiu António Pedro Vasconcelos, comparado a situação à que se vive na Justiça «Não há nenhum português que não se queixe da justiça mas nenhum diz que prefere as milícias privadas». Depois de se saber aquilo que vão fazer com a Cinemateca Portuguesa - programação condicionada a critérios de bilheteira e passando pelo crivo do Secretário de Estado da Cultura -, iremos assistir ao prolongamento dos disparates culturais típicos da cegueira e da ignorância neo-liberal, cuja doutrina tem sido a bandeira deste Governo. Mas continuemos, a propósito, com APV, que é dos poucos que tem autoridade para falar do assunto, neste pequeno excerto da óptima entrevista que deu ao semanário Expresso: «Sabes que se diz que o cinema é a memória e a televisão é o esquecimento. Dizia o Fellini quando fez o “Ginger e Fred”. Ele sabia a televisão que vinha aí, uma torneira de deitar imagens. E o que ninguém diz é que a democracia faliu. Porque é que é um crime de lesa-pátria deixar de exigir a melhoria da televisão e rádio públicas? (…) Podes criticar muito a televisão pública mas é a única que não tem telenovelas. Que tem uma programação vertical, que tem um telejornal que impede os outros de serem uma vergonha. Como dizia o homem do Channel 4, a BBC obriga-nos a ser melhores. Onde é que aparecem todos os grandes humoristas portugueses? Na RTP. Estou longe de achar que o “Prós e Contras” é o melhor programa do mundo, mas é o único onde ainda podes discutir alguma coisa. É na RTP que podes ver documentários. Os portugueses vêem cinema três horas e meia por ano e vêem 3 horas e meia por dia de televisão. A bandalheira começou com o “Big Brother”, que deu origem aos noticiários de hora e meia. Noticiários sob forma de folhetim. Para que serve um telejornal numa privada? Não é para informar. Serve para fixar o espectador ao prime-time e para marcar a agenda política.»

01 de Outubro de 2011

 

 

Biophilia é a mais recente utopia musical da genial islandesa. Björk, mais do que em qualquer outro disco, colocou a tecnologia ao serviço da substância musical. Segundo uma perspectiva wagneriana, será a obra de arte total da era digital. Trata-se, numa primeira leitura, de uma peça sideral, galáctica, interactiva e visual (agora numa versão tridimensional), basicamente idealizada num surpreendente jogo de espelhos cósmicos. Na medida em que questiona frequentemente novas formas de comunicação através de uma instrumentação quase sobrenatural, e expõe uma matéria musical heterodoxa e magnificamente científica, Biophilia será como certeiramente o definiu, no Expresso desta semana, o crítico João Lisboa: uma obra admirável que precisa, porém, de ser repetidamente escutada até se tornar amada. O que tem sido, convenhamos, usual no seu percurso musical mais recente, sobretudo a partir do excessivamente híbrido Vespertine (até hoje, na nossa opinião, o seu único passo musical em falso).

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:29 link do post
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