«Um dos problemas mais instigantes da vanguarda – e o que faz muitos artistas instigantes fugirem dela como o diabo da cruz – é sua dúbia disposição em face da ambição, que lhe é intrínseca, de tornar-se a norma. Recentemente ouvi de Arto Lindsay que os músicos e produtores dessas formas mais em voga de dance music (techno) são consumidores vorazes de justamente desse reportório heroicamente defendido por Augusto (de Campos). Assim, muito mais do que Paul (McCartney) pode ter ouvido Stockhausen, esses garotos ouvem Varèse e Cage, Boulez e Berio. E, me diz Arto, só falam nisso. O que pensar? Nos anos 70, vozes conservadoras (e muito úteis) já se lamentavam para protestar contra o “modernismo nas ruas”. Mas onde e como se formará o ouvido coletivo naturalmente familiarizado com a músicas dos pós-serialistas ou pós-dodecafônicos?
E que mundo será esse em que uma música assim soe como música ao ouvido de “todos”? Ao ver quadros de Monet, meu filho de cinco anos comentou que eles eram “muito malfeitos se vistos de perto”, embora “parecessem bem-feitos” se olhados à distância. Eu próprio não sei dizer exatamente por que a música de Webern (sobretudo a mais radical) me pareceu indiscutivelmente bela desde a primeira audição. Serão os garotos da techno-dance um embrião de minoria de massa? O que acontecerá ao ouvido tonal tal como o conhecemos se o fracasso de público da música mais impopular for superado? Quando eu vi MTV pela primeira vez em Nova Iorque, escrevi um artigo intitulado “Vendo canções” (intencionalmente usando os dois sentidos da palavra vendo) em que faço perguntas um pouco mais superficiais mas que apontam na mesma direção: os procedimentos de filmes de vanguarda, jogados no lixo pelo cinema sério e pelo comercial, tinham finalmente se refugiado ali naqueles filmecos de rock’n’roll, que eram a um tempo ilustrações erráticas das canções e anúncios dos discos correspondentes. Hoje não aguento assistir a vídeos de rock por muito tempo: o excesso de imagens esforçando-se por parecerem bizarras me entediam, sobretudo na velocidade em que são editadas. Mas a questão permanece: as referências ao Chien Andalou ou a Metropolis – e todo o permanente parentesco com Le sang d’un poète, de Cocteau – estão num vídeo de rock exatamente e apenas com formas de Mondrian na minissaia de uma puta ou só agora o “modernismo” ou as “vanguardas” começam a perder direito a esses nomes de ruptura?»
Excerto do livro «Verdade Tropical», de Caetano Veloso
Webern, 5 Andamentos, para Quarteto de Cordas