Swordfishtrombones (1983), Tom Waits
De Closing Time (1973) a One From The Heart (1982), a carreira musical de Tom Waits alimenta-se de uma combinação muito conseguida de jazz e blues sombrios, resquícios de folk e música de cabaret, ancorados numa voz rouca, boémia, de vagabundo, com um timbre sombrio a destilar uma poesia maldita e nocturna, reflexo natural da sua formação na beat generation. Nighthawks at the Diner (1975), gravado ao vivo, com as suas canções viscerais, frequentemente interrompidas por comentários extensos e piadas de ocasião, que, por força do excesso de álcool e de nicotina, atingem aqui a temperatura ideal, ficou como o exemplo perfeito deste apego inicial do seu autor ao mundo do jazz e do rythm and blues. Blue Valentine (1978) - especialmente na soberba Whistlin’ Past the Graveyard - e Heartattack and Vine (1980), foram a antecâmara, ainda algo ténue, que o conservador e posterior One From the Heart (1982) parecia querer desmentir, para o passo seguinte, concretizado no singular e genialíssimo Swordfishtrombones. Waits, numa visão poética surreal, uiva a dor do mundo, canta os amores perdidos, os corações despedaçados, a boémia, a vida e a morte nas suas expressões quotidianas, mas, através de uma arrojada encenação teatral e de um prodigioso canibalismo sonoro, relança a sua carreira musical enriquecendo-a com o experimentalismo de Zappa e de Captain Beefheart, enfurecido por uma espécie muito particular de blues descarnados, exotismo, ruído e electricidade, isto é, uma combinação excepcional de estruturas musicais oblíquas, densidade dramática, dissonância melódica, e enxertos em carne viva bebidos na mais impura e gloriosa charanga sonora, combinação essa que resulta numa assombrosa, admirável e inesquecível orquestra mutante.