A Senhora está sentada
Não tem pés, pois muito andou
Já nem na memória há rastos
Do tempo que caminhou
A Senhora está sentada
Numa redoma de luz
E é uma nave perdida
Nenhuma rota a conduz
E a Senhora está sentada
Numa montanha de fel
Rios correm dos seus olhos
E dos seus lábios o mel
E a Senhora está sentada
Tem parado o respirar
Do seu peito saem chamas
Das que não sabem queimar
E a Senhora está sentada
Sobre as dores de cada um
Do seu ventre sai remédio
Que cura como nenhum
E a Senhora está sentada
Numa matéria sem nome
Transformada numa estátua
Que não tem sono nem fome
E a Senhora está sentada
Sobre as suas próprias mãos
E baloiça no vazio
No céu de todos os chãos
Amélia Muge, A Senhora Está Sentada, in Todos Os Dias, gravado em 1994