a dignidade da diferença
30 de Janeiro de 2011

 

 

Lisbon Underground Music Ensemble (LUME) - Uma fantástica Big Band de jazz portuguesa, dirigida por Marco Barroso, que - como afirmou acertadamente Rui Eduardo Pais –  explora como poucos o conceito de pós-contemporaneidade (actualmente não me lembro de outra, com excepção da explosiva Flat Earth Society): fabuloso caldeirão musical onde cabe uma imensidão de alimentos sonoros, desde a história concisa do jazz (sobretudo a das Big Band),  passando pela loucura visionária de Carl Stalling, por uma noção cinemática da estrutura musical, pelo corte-e-costura dos Naked City, pela electrónica ou pelo swing moderno, culminando num torrencial caleidoscópio de camadas musicais sobrepostas. Assinaram um trabalho magnífico e incendiário em 2010 e não vos resta fazer outra coisa senão escutá-lo. 

 

 

Ver também aqui.

30 de Janeiro de 2011

«Revestindo a palavra de sentidos próprios e esvaziando-a de outros, alheios, Emily Dickinson aplicou à sua poesia um processo misto de desvelamento e ocultação do qual não esteve ausente nem o seu sexo nem a sua condição de mulher da classe média, descendente dos primeiros Puritanos, simultaneamente privilegiada pela classe e marginalizada pelo sexo. Na limitação física, Dickinson alargaria o seu olhar poético a excessos de experimentação: tal como a margem seria o centro da sua escrita, a própria ausência seria, paradoxalmente, centro do excesso.»

Posfácio de Ana Luísa Amaral

  

 

There is no Frigate like a book / To take us Lands away / Nor any Coursers like a Page / Of prancing Poetry - / This Traverse may the poorest take / Without oppress of Toll - / How frugal is the Chariot / That bears the Human soul.

Não há Fragata como um livro / Para levar-nos Terra afora / Nem há Corcel como uma Página / De volteante Poesia - / Tal travessia pode o mais pobre / Sem submissão a portagem - / Quão frugal é a Caleche / Que leva à alma Humana.

Tradução de Ana Luísa Amaral

publicado por adignidadedadiferenca às 00:58 link do post
25 de Janeiro de 2011

A ministra do Trabalho, Helena André, propôs esta tarde aos parceiros sociais que as indemnizações pagas aos trabalhadores em caso de despedimento passem a ter por base 20 dias de salários por cada ano de empresa, ao invés dos 30 que são agora praticados. Helena André citou o regime espanhol, em que também há um limite máximo de 12 meses, sendo que estas medidas só farão efeito em contratos a partir do momento em que entrarem em funcionamento, não tendo efeito nos contratos em vigor. Actualmente, os trabalhadores envolvidos em despedimentos colectivos têm direito a uma indemnização de um mês de salário-base por cada ano ao serviço sem limite máximo. Este novo regime pretende, assim, reduzir o valor a pagar a trabalhadores despedidos.” 

 

 

A notícia que acabaram de ler - retirada da edição on-line do jornal A Bola – merece curtos mas incisivos comentários, como o facto de o nosso Governo nem sequer ter coragem para assumir a medida laboral como sua; logo haviam de invocar o regime espanhol sobre a mesma matéria (como se aquele fosse comprovadamente um bom exemplo a seguir por alguém…). Dado que não alcançamos facilmente o rumo positivo a que a medida nos conduzirá – enfim, escapará aos nossos governantes, no mínimo, o verdadeiro sentido de oportunidade -, é, para já, apenas caso para afirmar: “neste país nem os filhos da p… são originais!

publicado por adignidadedadiferenca às 19:32 link do post
23 de Janeiro de 2011

  

 

Dispensemos, por isso, as exigências da devoção biográfica e lembremos o essencial: que a lenda de Jean Seberg se prolonga (e, a meu ver, se encerra) no filme "Lilith", dirigido por Robert Rossen em 1963. Neste caso ao lado de Warren Beatty, a actriz assume uma personagem que é, em si mesma, a expressão magoada do irremediável do amor, quer dizer, da sua proximidade da loucura. Talvez que a figura marcante de “À Bout de Souffle” e “Lilith” tenha sido mesmo outra coisa que não uma actriz: antes um ser incauto, eternamente inadaptado ao olhar dos outros. Foi isso, pelo menos, que ficou na obra dos grandes autores que a filmaram, oferecendo-lhe sempre o resgate que a própria imagem pode conter. No filme de Rossen, por exemplo, a personagem de Warren Beatty não sabe dizer a sedução de Lilith a não ser pela palavra «arrebatamento» - é a mais pura, porque não admite sinónimos.

João Lopes, Expresso de 16 de Dezembro de 1995 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:37 link do post
22 de Janeiro de 2011

  

 

Na edição escrita do semanário Expresso, que saiu esta manhã (primeiro caderno), deparámos com uma notícia que entristece qualquer um: «Obras-primas da arquitectura portuguesa votadas ao abandono». Não sei o que se poderá fazer em concreto para inverter a situação, nem quais as razões que contribuíram para este avançado estado de degradação. Mas dói ver como a nossa história e o nosso património cultural são tal maltratados e correm o sério risco de desaparecer. Trata-se de duas obras da autoria dos arquitectos Fernando Távora e Viana de Lima, construídas na década de 1950, ambas localizadas no concelho de Esposende. Deram um contributo assinalável para a renovação estética da arquitectura moderna portuguesa e são um marco importante da sua história. E se a solução para o acentuado estado de degradação da casa assinada por Fernando Távora foi bloqueada por questões de heranças, já a casa de Viana de Lima vai, contra o acentuado pessimismo geral, passar por um louvável processo de recuperação. Enfim, mesmo nas más notícias há, por vezes, coisas boas. 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:08 link do post
19 de Janeiro de 2011

 

 

Uma vez entendida uma solução como uma de muitas soluções igualmente boas para o mesmo problema, podemos apreciá-la como «apenas nossa» e deixamos de ter tendência para moralizar contra os outros. As línguas diferentes têm palavras diferentes para designar coisas diferentes e gramáticas diferentes e diferente colocação das palavras na frase, mas todas servem igualmente bem o propósito de possibilitar a comunicação. Os diferentes costumes, ritos, regras e convenções sociais podem ser vistos como diferentes soluções para os problemas de expressão, coordenação e comunicação públicas. Não temos de os classificar. Em Roma sê romano. Mas suponha que uma sociedade resolve os seus problemas de uma forma que interfere com as nossas preocupações. Suponha que, como fazem os taliban no Afeganistão dos nossos dias, se nega o ensino às mulheres. Ou que o tempo nos tinha legado um sistema de castas que negava a existência de igualdade de tratamento perante a doença, o ensino e mesmo os meios de subsistência a toda uma classe de pessoas, segundo o seu nascimento. Ou mesmo que o tempo nos tinha legado um sistema no qual algumas pessoas pertenciam de corpo e alma a outras. Estes sistemas constituem um tipo de solução para os problemas que se põem sobre como viver. Mas não temos de os ver como igualmente bons («apenas diferentes») ou sequer toleráveis. Podemos considerar com justeza que violam limites que são importantes para nós. Transgridem as fronteiras de preocupação e respeito que pensamos ser imprescindível proteger. Nestas circunstâncias, é natural apelar à linguagem dos «direitos», significando isso não apenas que é bom ou simpático as pessoas manifestarem preocupação ou respeito, mas também que, se não o fizerem, as partes prejudicadas têm direito a sentir-se lesadas e a apelar ao mundo no sentido de rectificar o seu estado.

 

Blackburn, Simon, Think: A Compelling Introduction to Philosophy, traduzido, para a Gradiva, por António Infante, António Paulo da Costa, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Fátima St. Aubyn, Francisco Azevedo e Paulo Ruas 

19 de Janeiro de 2011

 

Aproveitamos a recente edição do óptimo Live in London da deliciosa Regina Spektor, para fazer um pequeno intermezzo nas notícias graves e sérias. Deixamos-vos com Laughing With e Dance Anthem of the 80's, pequenas, autênticas e maravilhosas peças de relojoaria sonora, originalmente incluídas em Far (de 2009), o último e magnífico álbum de estúdio de Regina Spektor.

 

 

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:10 link do post
14 de Janeiro de 2011

 

 

Notícia do Público de hoje: «Custo extra com a dívida vai consumir poupança com corte dos salários». E prossegue «Portugal vai pagar mais 808 milhões de euros do que previa o Orçamento com os juros da dívida. Situação está a tornar-se insustentável, avisam os analistas». Seguem-se os números, os gráficos, os comentários dos entendidos na matéria, os estudos. Mas as conclusões levam a um único e desanimador resultado: a situação económica é insustentável, a social começa a ser intolerável, e não há, aparentemente, saída visível para a crise. Por conseguinte, vem aí mais do mesmo: o refazer das contas pelos mesmos incompetentes de sempre (os do passado e os actuais), o crescimento previsível da taxa de desemprego, o aumento angustiante da dívida pública, a baixa produtividade, e, last but not the least, a galopante necessidade de assistência externa. Não gostamos de o afirmar, mas não nos restam quaisquer ilusões; o país perdeu.

publicado por adignidadedadiferenca às 21:00 link do post
11 de Janeiro de 2011

 

 

E enquanto não chegam as vibrações eléctricas de Anna Calvi, outra mulher ocupou definitivamente o espaço musical contemporâneo; trata-se de Esperanza Spalding e transporta consigo uma obra-prima: Chamber Music Society. A jovem compositora surpreende pela profundidade do reportório, escolhe o jazz minimalista, de câmara, como principal fonte musical, acolhe o espírito da sublime Rickie Lee Jones de Pop Pop, viaja por paisagens impressionistas e sem fronteiras, e convive naturalmente com a brisa e as especiarias da tradição sul-americana, com as polifonias barrocas africanas ou com a música para cinema. Esperanza Spalding eleva, através do superior exercício de subtracção sonora (admirável subsecção de cordas), um subtil, expressivo e contido modernismo multicolor à condição de paradigma estético. Um disco único e irrepetível.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:56 link do post
10 de Janeiro de 2011

 

 

E, enquanto esperamos pelo disco de estreia que aí vem, deixemo-nos ficar com as formidáveis, operáticas, memoráveis e devastadoras labaredas sonoras que incendiaram literalmente o espaço musical de PJ Harvey, Patti Smith, Leonard Cohen, Ennio Morricone e Edith Piaf. Das (poucas) revelações recentes, esta promete ser a mais assombrosa, responsável por dependências e contágios imediatos...

 

publicado por adignidadedadiferenca às 22:54 link do post
08 de Janeiro de 2011

 

 

Como consequência natural da renovação musical, surgem, regularmente, novos autores que pela consistência da sua dieta musical vão despertando a nossa curiosidade de melómanos convictos. A mais recente coqueluche da música indie é a inglesa Anna Calvi e merece, aparentemente, todos os elogios que lhe são destinados. Ocupa o lugar vago anteriormente ocupado por Patti Smith e toma de empréstimo o talento teatral de PJ Harvey. Com uma voz vibrante e notável presença em palco - assentando o seu discurso em farrapos sedutores de pop/rock anguloso, nocturno, corroído por melodias esqueléticas e infecto-contagiosas, de semblante carregado e magnificamente encenado -, Anna Calvi desbrava e incendeia, com agilidade e deixando profundas marcas da sua personalidade, os territórios estéticos, poéticos e sonoros de autores como Cohen ou Piaf. Feitas as apresentações, venha daí o disco e com ele as labaredas sonoras.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 13:13 link do post
07 de Janeiro de 2011

 

American Music Club: Mercury (1993)

 

 

Existe uma categoria de música que, na maioria das situações, nos deixa num estado de semi-abandono que quase nos impede de a explicar. Nada mais nos resta que gostar. Muito. É o que acontece, por exemplo, com este Mercury, disco seminal dos magníficos American Music Club, de Mark Eitzel. Já tem uns anitos (17) mas continua a ouvir-se hoje com o mesmo prazer de ontem. Difícil e angustiante, Mercury reduz qualquer esperança a cinzas. Não o recomendo às pessoas em geral, mas aos poucos com força de espírito suficiente para o acolher e merecer. É uma obra vencida pela amargura e pela desolação, que magoa e entristece, provoca o medo, comove, mas robustece. Musicalmente, impressiona pela precisão e concisão rítmica, acuidade melódica, riqueza de ideias, detalhe sonoro e magnífica clarividência arquitectónica. Apesar do notável esforço de clarificação estética, traz consigo tudo aquilo que ninguém precisa. Mas vale a aposta em como os poucos que o escutaram não conseguem viver sem ele. Da mesma estirpe dos Mazzy Star, Silver Jews e Richmond Fontaine deste mundo, i.e., daquele raríssimo género de música que não apetece partilhar com ninguém.

 

 

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