Como evitar, na literatura, os lugares-comuns? No delicioso Como Proust Pode Mudar a Sua Vida – publicado pela Dom Quixote e traduzido por Sónia Oliveira -, Alain de Botton dá-nos um magnífico exemplo. Obviamente que umas pitadas de génio ajudam e muito. Aqui fica o excerto, retirado do capítulo Como Exprimir as Emoções. Uma lição magistral:
«Em 1904, porém, Gabriel abandonou a vida nocturna para tentar fazer uma incursão pela literatura. O resultado foi um romance, O Amante e o Médico, cujo manuscrito Gabriel enviou a Proust mal o terminara, com um pedido de comentários e conselhos. (…) Aparentemente o livro estava repleto de lugares-comuns: “Existem algumas paisagens grandes e bonitas no teu romance”, explicou Proust, avançando delicadamente, “mas por vezes apeteceria que estivessem pintadas de uma forma mais original. É bem verdade que o céu está incendiado ao pôr-do-sol, mas isso já foi dito demasiadas vezes, e o brilho suave da Lua é uma maçadora trivialidade.” (…) O problema dos lugares-comuns não é que contenham ideias falsas, mas o facto de serem articulações superficiais de ideias muito boas. Os lugares-comuns são prejudiciais na medida em que nos fazem acreditar que descrevem adequadamente uma situação apesar de tocarem apenas a superfície. (…) A Lua que Gabriel mencionou teria com certeza um brilho suave, mas deveria ser muito mais que isso. Quando o primeiro volume do romance de Proust foi publicado (…) será que Gabriel (…) se deu ao trabalho de reparar que Proust inclui também uma lua, mas evitou dois mil anos de discursos prontos-a-usar sobre a Lua, criando uma metáfora invulgar para melhor captar a realidade da experiência lunar?
Por vezes no céu da tarde passava uma Lua branca como uma nuvem, furtiva, sem brilho, como uma actriz fora da sua hora de representar e que, da sala, com roupa de sair, observa por um instante os seus companheiros, encoberta, sem querer atrair as atenções para si mesma.»