O Estado Social é, para quase todos nós, aquilo que Kant designou como um imperativo categórico. Contudo, quanto mais intervencionista é o Estado, mais a legislação em que essa ambição se traduz transfere para a Administração Pública o poder discricionário. São os chamados custos democráticos.
A verdade é que passamos uma vida inteira à procura da receita para ultrapassar os problemas que nos são colocados diariamente. Quase nos apetece adoptar o pensamento de Nietzsche e afirmar que «não há (nunca houve) progresso algum. Não existem soluções milagrosas. Geração após geração, o ser humano procura encontrar resposta para os obstáculos que lhe aparecem, mas a verdade é que os problemas que lhe surgem são sempre os mesmos».
Saldanha Sanches, falecido no passado dia 14, volta a colocar o dedo na ferida, no que diz respeito à função social do Estado, quando questiona, no seu último artigo – publicado no semanário Expresso de 15 de Maio – e com a lucidez habitual, qual a utilidade das medidas para reduzir o défice, quando as mesmas assentam, sobretudo, no aumento das receitas, não existindo, aparentemente, qualquer preocupação em cortar na despesa pública? Passo a transcrever:

«Em qualquer caso, a justiça fiscal é uma questão que não se coloca só do lado da receita pública. É também muito provável que o esforço financeiro venha a atingir a segurança social, as pensões, as reformas. Ora, de nada serve aumentar o IVA, ou tributar mais-valias, se o Estado continua a esbanjar recursos. No esbanjadouro são muito claros dois tipos de papa-reformas: as obras públicas desnecessárias e os papa-reformas em sentido próprio. O Estado (o Governo, o primeiro-ministro) vive agrilhoado a um conjunto de compromissos políticos, arranjinhos, promessas, vassalagens, dívidas que paga periodicamente em quilómetros de auto-estradas, túneis e, agora, em TGV com paragens em todas as estações e apeadeiros do poder local (desenhado em cima da mapa da volta a Portugal em bicicleta). (…) Além das vassalagens, não podemos esquecer os outros papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. (…) Tudo isto, como sempre, é feito ao abrigo da lei. É que isso dos crimes contra a lei é para os sucateiros. O problema é que a lei que dá é refém dos beneficiários que tiram e da sua ética».
Agora, pergunto eu: quem tem a coragem de mudar, de uma vez por todas, este estado de coisas? Ou vamos continuar, eternamente, em busca da receita para ultrapassar a crise e os problemas que nos trouxe? Os mesmos, no fundo, por que já passaram - com as particularidades próprias da sua época, evidentemente - gerações e gerações de seres humanos.
Brevemente: Discos que nunca mais se esquecem