a dignidade da diferença
31 de Maio de 2009

 

Li na National Geographic deste mês (edição portuguesa) uma excelente reportagem sobre «uma ideia que floresce em cidades de todo o mundo: aproveitar centenas de coberturas para criar espaços verdes». No artigo assinado por Verlyn Klinkenborg, defende-se a cobertura biológica, também designada como cobertura ajardinada, como um meio eficaz para «reduzir o escoamento das águas pluviais, para aumentar a eficiência energética e para melhorar a paisagem urbana».

 

Como refere o autor «estas coberturas recordam que os sistemas biológicos naturais são uma importante força moderadora. No verão, as temperaturas diurnas nas coberturas convencionais de alcatrão podem subir até 65º C, contribuindo para o efeito global de ilha de calor humana – a tendência demonstrada pelas cidades para serem mais quentes do que a região circundante. Sobre as coberturas ajardinadas, a mistura de solo e vegetação funciona como isolante e as temperaturas sofrem níveis de flutuação mais moderados (pouco acima dos registados em parques ou jardins), reduzindo em 20% os custos de aquecimento e arrefecimento dos edifícios que lhes ficam por baixo».

Explicando melhor: «Uma cobertura ajardinada funciona da mesma forma que um prado, absorvendo a água, filtrando-a, abrandando-a e, até, armazenando alguma para utilização futura. Em última análise, isso reduz a ameaça de ruptura de colectores, prolongando a vida dos sistemas de escoamento urbanos e restituindo água mais limpa à bacia hidrográfica da região».

 

Vários exemplos são dados e, entre outras, podem ver-se as fotografias da cobertura ajardinada que coroa o edifício da Câmara Municipal de Chicago, da cobertura verdejante de um prédio em Manhattan, da vegetação no topo de um hospital em Basileia, da horta que cobre o hotel Fairmont Waterfront, em Vancouver ou, para finalizar, da fachada lateral do Oceanário de Vancouver.

E em Portugal? Se a ideia já floresce por aqui – como prova a cobertura biológica da sede do Banco Mais, na Avenida 24 de Julho, a da Torre Verde da zona oriental de Lisboa ou a do Centro de Documentação e Informação da Presidência da República -, tenho sérias dúvidas que avance num futuro próximo. Razões para pensar assim? Queiram fazer o favor de ler este pequeno excerto da crónica que Luísa Schmidt escreve no semanário Expresso «Compensar o crime» e notem bem a mentalidade de quem nos governa:

 

Às avessas de toda a preocupação internacional, de todas as tendências comunitárias, de todo o espírito contemporâneo relativamente aos problemas ambientais e paisagísticos e contra o esforço dos nossos empresários mais evoluídos, o Governo decidiu reduzir as coimas por danos ambientais.

(...) A redução do montante das multas é afinal uma mentira que esconde uma verdade: a da subjugação da política ambiental à sobre-soberania de alguns grandes interesses que precisam que a sensibilidade pública ambiental não seja estimulada.

O que esta alteração na lei diz efectivamente não é que as multas passaram a ser mais leves. O que ela diz e rediz é que os valores ambientais não são assim tão importantes como as pessoas já acham que são. Ou seja, a sociedade não lhe deve dar tanto valor.

publicado por adignidadedadiferenca às 20:35 link do post
27 de Maio de 2009

 

Sim, nesta eu também alinho.

 

Por ordem alfabética:

 

Blackadder - A língua mais viperina da história da televisão e o único Rowan Atkinson essencial.

 

Columbo - Confirmei há pouco. Sim, ainda mantém todo o fascínio.

 

Empire Falls - Uma mini-série de 2 episódios majestosamente dramática. E foi a última vez que vi Paul Newman.

 

Fawlty Towers - O humor em absoluto estado de (des)graça.

 

Lipstick on Your Collar - O genial argumento de Dennis Potter numa série com preocupações formais e estéticas muito próximas do cinema, e em glorioso technicolor.

 

Monty Python's Flying Circus - Vale o que disse para Fawlty Towers.

 

Once and again - A dignidade de podermos refazer os passos dados em falso.

 

Six Feet Under - A perfeição absoluta. E, por uma vez, o agente funerário é a mais bela profissão do mundo.

 

The Sopranos - Taco a taco com Six Feet Under para a eleição de melhor série de sempre. Nunca os personagens foram tão inesgotáveis como nesta série prodigiosa.

 

Twin Peaks - Quando Lynch trouxe os seus magníficos pesadelos para o ecrã de televisão.

 

Passo a quem quiser continuar a corrente.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:32 link do post
25 de Maio de 2009

 

E se restasse a mais pequena dúvida sobre a importância de visualizar várias vezes uma obra cinematográfica (ou qualquer outra forma de expressão artística, evidentemente), julgo que a magnífica análise que João Bénard da Costa fez ao genial Bitter Victory de Nicholas Ray ajuda, e muito, a convencer os mais resistentes. Ficamos a saber, se preciso fosse, como a passagem do tempo e novas visualizações do mesmo filme podem fazer-nos mudar a opinião sobre ele. Entre outras funções, é para isto que serve a crítica de cinema (e a crítica em geral).

Publico aqui o texto integral como prova da minha admiração pelo seu autor. Melhor homenagem não lhe sei fazer.

 

 

De novo Jean-Luc Godard reaparece nas minhas histórias.

Já amava – tanto e tanto – Nicholas Ray. Já tinha visto muitas vezes Johnny Guitar. Mas ainda não tinha visto Bitter Victory, com estreia mundial no Festival de Veneza de 1957, em Setembro, mas só apresentado em Portugal em Maio de 1958, no Éden, quando me veio parar às mãos o número 79 (Janeiro de 1958) dos Cahiers du Cinéma. Nesse número, saiu, por baixo de uma fotografia de Richard Burton (grande plano da cara, com o deserto em fundo e um par de botas ao lado), o texto que se chamou Au-delà des étoiles, «crítica» a Bitter Victory de Nicholas Ray, filme que, na mesma edição, Godard considerou o melhor de 1957.

Era esse texto, era, o que começava assim:

«Havia o teatro (Griffith), a poesia (Murnau), a pintura (Rosselini), a dança (Eisenstein), a música (Renoir). Agora, há o cinema. E o cinema é Nicholas Ray.»

Lembro-me que li esses versos - talvez os que mais citei e recitei em vida minha – no dia em que fiz 23 anos. Tive de aguentar quase quatro meses até os poder confrontar com o modelo e até poder repetir, em conhecimento de causa, «não é cinema, é melhor do que o cinema». Depois – nestes quase quarenta anos decorridos – quantas vezes revi eu Bitter Victory, quantas vezes escrevi sobre ele? Não sei. Mas sei seguramente que é o filme de Nick Ray que melhor conheço (depois de Johnny Guitar), que é o filme de Nick Ray em que mais reflecti e sobre que mais escrevi (mais do que Johnny Guitar), e que é o filme de Nick Ray a que, subjectiva e subterraneamente, mais coisas me ligam.

Dele, apetecia-me poder dizer o que Truffaut disse de Johnny Guitar. «Este filme teve mais importância na minha vida do que na vida de Nicholas Ray.»

Mas sei demais para o poder dizer de coração ao pé da boca. Bitter Victory, primeiro filme de Ray longe de Hollywood (co-produção franco-alemã, rodada na Líbia com um fortíssimo investimento da Columbia), foi o filme com que Ray sonhou voltar a casa triunfante, para que não mais se repetissem azares como os que havia conhecido na sua obra precedente (The True Story of Jesse James). Em vez disso, só conheceu raivas e desesperos. Apesar dos ditirambos dos Cahiers, Bitter Victory foi um flop e o que se passou durante a rodagem contribuiu, mais do que todo o passado, para lhe arruinar uma reputação que, na América, já não era famosa. Gavin Lambert, um dos argumentistas, contou que, quando o reencontrou em Paris, no fim das filmagens, Ray vinha destruído. «Destroçado, traumatizado. Visivelmente, tudo tinha sido horrível. Estava num momento crucial da vida e o desastre acontecera. Os problemas com o álcool... Foi também quando começou a drogar-se muito. Se o filme tivesse corrido bem, toda a vida dele teria sido diferente.» Recordo que Nicholas Ray filmou Bitter Victory aos 45 anos.

Mas foi Truffaut quem falou, a propósito de Nick Ray, dos «grandes filmes doentes». Essa marca da doença, como a da crise, a do malogro, são o cerne da grandeza da obra do homem que, neste mesmo filme, pôs na boca de Richard Burton o verso de Walt Whitman: «I always contradict myself.» E eu julgo que Bernard Eisenschitz viu bem quando, na monumental obra sobre Nick Ray Romain Américain: Les Vies de Nicholas Ray (publicado em 1990, onze anos depois da morte do realizador), escreveu que o que levou a esses extremos de subjectividade sobre ele foi exactamente o ponto extremo de subjectividade em que ele próprio se colocou. Por um lado, no cinema mais moderno, o retorno ao que havia de fundamental no estilo clássico: a autonomia interna do plano e o choque da sucessão deles, para, desta vez, citar Straub. Por outro, o que podia ser «mais do que cinema», ou seja, a relação que ele sempre viu entre este e o inconsciente e que o levou a dar à improvisação – no melhor e no pior – lugar enorme. «Em Hollywood, dizem-nos que tudo está no script. Mas se tudo está no script, porquê e para quê fazer o filme?» «Com Bitter Victory, começa a formular-se a aproximação ao cinema como meio de expressão total. Não sendo Eisenstein e ignorando tudo dos eruditos processos especulativos deste, Nick Ray só o pôde fazer arriscando tudo o que sabia, cedendo em certas passagens para avançar noutras, perdendo o controle. Bigger Than Life, o filme que teria podido ser Jesse James, Bitter Victory, Everglades são filmes de derrapagem, tanto na medida em que são filmes sobre personagens em derrapagem – paranóia, desejo de morte, histeria – como porque a construção deles segue esse mesmo movimento.» (Eisenschitz).

Volto a mim e ao filme, para explicar melhor. Em 1958, eu vi Bitter Victory inteiramente do lado do Capitão Leith (Richard Burton), o mais novo dos dois protagonistas masculinos. Arqueólogo inglês, vivera, muito antes da acção do filme, uma história de amor com Jane (Ruth Roman), que conheceu numa visita ao British Museum, numa tarde em que falaram de estátuas egípcias e assírias. A 25 de Agosto de 1939, no mesmo British Museum, essa história rompeu-se. Foi ele quem a rompeu, incapaz do salto no desconhecido que a paixão necessariamente implica. Teve medo e fugiu.

Reencontraram-se três anos mais tarde, em Bengazi. Jimmy Leith era, agora, capitão do exército inglês e tinham-lhe confiado perigosíssima missão, sob as ordens do major Brand (Curd Jurgens). Na mesma noite, num night-club da cidade, descobre que Jane casou com o major e é agora Mrs. Brand. Quando ficam sós, Leith, como Johnny Guitar, exprime ciúmes tardios e injustos. «Todos temos a memória curta, não temos?» «A guerra é tão dura como o amor.» Mas cala-se quando Jane lhe pergunta: «Jimmy, porque é que não ficaste?» ou quando ela lhe explica que casou com Brand porque «he stand», porque ele, ao contrário de Jimmy, não é homem para desistir ou fugir.

Passado esse prólogo, em que ficamos a saber do passado (um passado à Casablanca, só que foi o homem quem fugiu e não há flash-back), Brand, Leith e os seus homens partem para a missão. Brand porta-se sempre como cobarde. Leith é desmedidamente, romanticamente, herói. Como não estar do lado dele, do lado desse Richard Burton «terno guerreiro», novo demais na terra (embora ruínas do século X sejam demasiado modernas para ele), imponderavelmente belo e imponderavelmente comovente? Apesar dos comportamentos de malogro, como nessa noite no deserto («when or what») em que matou os vivos e salvou os mortos, como ele próprio diz. Do lado dele, não estive só eu e a generalidade dos espectadores. Todos os homens da companhia o amavam também, tanto quanto odiavam Brand, que nem sequer é capaz de assumir a antiga história entre a mulher e o subordinado e nem sequer é capaz de deixar claro que se vinga por ciúmes.

 

Até ao dia – sempre o deserto – em que Brand viu, distintamente, o escorpião que avançava na areia, em direcção à perna de Leith, adormecido. E não disse nada, nem fez nada. Picado pelo escorpião, Leith passou a ser um morto a prazo, e Brand um chefe cada vez mais desrespeitado e desprezado.

Por fim, Leith sucumbe. Deitado no chão, podre de gangrena, diz a Brand que, se ele não tem coragem para o matar, ao menos não o tente salvar. Depois, vem a tempestade de areia. E é durante ela que Leith brada o «I always contradict myself», quando cobre com o corpo agonizante o corpo do rival e assim lhe salva a vida, enquanto perde a dele.

Tudo do lado de Leith? Só muito mais tarde e muito mais velho, reparei melhor no assombroso diálogo entre os dois homens, antes da tempestade. Depois de ter chamado cobarde a Brand, Leith vai mais longe: «You’re not a man, but an empty uniform, standing by itself.» A câmara faz então uma leve panorâmica sobre o pesado corpo de Jurgens e este responde: «Yes. But I stand.» De novo, a câmara se volta para Burton, que olha o outro, espantado, e fica em silêncio algum tempo (só o vento, só o vento na banda sonora). Depois, muito devagar, em grande plano, filmado em plongée, Leith responde: «Yes... Yes... You stand... And, for the first time, I have some kind of respect for you. You’d better go.» Jurgens pergunta-lhe: «Anyone to notify?» «Mrs. Brand», responde, lentamente, Leith. «Diga-lhe que ela tinha toda a razão e eu não tinha nenhuma.» O vento volve-se em tempestade, Leith salva Brand e fica, no fim, o plano de Leith morto (o mais belo dos planos) com o vento nos cabelos.

Quando os sobreviventes da missão regressam a Bengazi, Brand informa Jane da morte de Leith. Mas, quando ela lhe pergunta se ele, antes de morrer, disse alguma coisa, o marido mente e não transmite a mensagem. Ou seja, deliberadamente oculta o que lhe podia servir de reabilitação, recusando-se a que a sua imagem seja recuperada pela mensagem póstuma de Leith. Diante dos homens e diante da mulher, assume o lado vil. Retira a condecoração que lhe deram e pendura-a num manequim, o tal uniforme vazio. Quem assim se obscurece, ilumina-se, como se iluminou para Leith, quando, ao desejo de morte e de desastre deste, opôs o desejo de vida e de vitória seu. Demorei anos a perceber que «eu fico» pode ser a coisa maior que um homem ou uma mulher tem para dizer ou para dar. E que, apesar de todas as aparências, Brand é um personagem mais forte do que Leith.

Como Godard dizia: «O que é o amor, o medo, o desprezo, o perigo, a aventura, o desespero, a amargura, a vitória? Qual é a importância disso quando olhamos as estrelas?»

Bitter Victory é um filme que nunca se substancia nem se substantiza. Tem o mais portentoso diálogo da história do cinema e as palavras não dizem nada. Tem a mais bela música de filme que alguma vez vi (Maurice Le Roux) e aquela música é um enigma. Tem a voz de Burton, o olhar de Burton, a beleza de Burton e talvez em coisas tão belas não esteja o essencial.

Não sei se é um filme para além das estrelas, como Godard dizia. Mas, nas noites e nos desertos cinemascópicos, a preto e branco, entre um homem que morre e um homem que fica, ambos perdidos no espaço sôfrego do grande formato, é um filme sobre qualquer coisa muito grande, situada muito longe. Foi ao vê-lo – é a vê-lo – que pude e posso perceber o que será esse de profundis donde clamamos para Ti.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:12 link do post
21 de Maio de 2009

07 de Fevereiro de 1935 - 21 de Maio de 2009

 

Como crítico de cinema era o maior!

E, por hoje, não tenho mais nada a acrescentar.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 21:22 link do post
20 de Maio de 2009

 

 

Uma das gravações indispensáveis de 2008 e que só tive a oportunidade de ouvir muito recentemente. Umas vezes triste e melancólico, outras radiante e cheio de luz, este é mais um conjunto magnífico de canções (lieder) da autoria de Franz Schubert, aqui interpretado de forma sublime pelo barítono Matthias Goerne, acompanhado discretamente pela notável pianista Elisabeth Leonskaja, num registo contido e, por isso mesmo, essencial.

 

 

Sem outra alternativa, fica aqui este belíssimo excerto da "Winterreise"

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:05 link do post
17 de Maio de 2009

 

Jeff Buckley, Grace (1994)

 

 

 

 

Sou da opinião de que o culto gerado à volta de Jeff Buckley – principalmente, após a sua morte – terá sido, porventura, algo exagerado, face à razoável decepção que tive ao escutar a sua segunda gravação; o duplo Sketches For My Sweetheart The Drunk. Composto por um primeiro disco que nunca teve uma versão definitiva e que pouco mais não é do que uma actualização da matriz musical que fez história nos Led Zeppelin, acompanhada, aqui e ali, por um instinto pop razoavelmente apurado, por alguns trapos de folk sensível e por uma voz que, por vezes, soube voar bem alto. O segundo disco deixou uma impressão demasiado vincada a manta de retalhos, embora, num par (de esboços) de canções, por força do talento musical indiscutível de Buckley, francamente sedutora.

Contudo, também é verdade que o filho do lendário e genial Tim Buckley entrou directamente para a história da música, com uma das mais impressionantes e emocionalmente arrepiantes estreias musicais de que há memória.

Grace não é uma obra de ruptura com o passado musical e até convive bem com as marcas da época, mas deixa um traço absolutamente ímpar que é a impressionante naturalidade com que o autor domina, superiormente, os mais diversos géneros musicais, atravessando-os e trespassando-os literalmente, numa bela e singular demonstração de ecletismo musical, poético e estético.

Buckley assina, nesta gravação, um punhado de grandes canções clássicas, oferecendo-nos uma gama de recursos estílisticos soberba e variada que vai do espectro sonoro de Captain Beefheart até à sublime transfiguração romântica do sofrível Lilac Wine. Todas as canções possuem uma embriaguez sonora que é o reflexo de um estado de alma que caminha sempre no fio da navalha. Ternura e revolta tantas vezes de mãos dadas, como se pode escutar nestes espantosos espasmos sonoros que se afundam em pedaços de heavy-metal electrocutado e se elevam em sumptuosos e celestiais arranjos de cordas, superiormente conduzidos por uma assombrosa voz de anjo negro que voa, magnifica e livremente, sobre montanhas de desespero e abismos de paixão.

Claro que todos nós temos duas ou três canções preferidas num álbum como este e eu não escapo à regra. Sinto-me impotente perante a levitação vocal que acontece no final da magnífica Grace (nunca a voz de Jeff foi capaz de voar tão alto), não esqueço a frágil e emocional interpretação à beira do abismo de Corpus Christi Carol do compositor erudito Benjamin Britten, nem a inesquecível e solitária versão de Hallelujah do Leonard Cohen ou a espantosa e visceral Eternal Life, radiografia perfeita da emoção levada ao extremo da dor, da ira e da paixão.

Se todos os restos musicais de Jeff Buckley foram explorados até à náusea, sem que daí resultasse alguma mais-valia musical, existe mais uma gravação, porém, que vai servir para alimentar, merecidamente, o mito: o magnífico Live Al’Olympia, celebração exuberante do rock’n’roll quando já todos o julgávamos morto e enterrado.

E, já agora, o meu desejo é que o culto prestado a Jeff Buckley se estenda ao seu pai, Tim, autor de uma prodigiosa e semi-esquecida obra musical, nomeadamente os memoráveis e mui excelentes Goodbye and Hello, Happy Sad, Blue Afternoon, Lorca, o «live» Dream Letter e, acima de todos, Starsailor. 

 

 

 

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:18 link do post
17 de Maio de 2009

 

Numa deliciosa reportagem publicada pelo jornal Público, em meados da década de 90, sobre as carcaças ainda sobreviventes do movimento hippie no nosso país, sai-se com esta (mais palavra menos palavra), um dos entrevistados:

- Sim, continuamos a organizar encontros entre velhos amigos e aproveitamos a ocasião para ouvir muita da grande música que se fez nos anos 60, e que nós adorávamos. Até descobrimos, recentemente, que, afinal, os Byrds não eram tão maus como pareciam (sic)!

Já sabia que aquela malta sempre gostou de viver na lua ou no meio da lama, mas isto, para mim, era demais. Foi o dia em que enterrei, definitivamente, os hippies e toda a cangalhada que levavam atrás.

 

 

Don't Doubt Yourself, Babe

publicado por adignidadedadiferenca às 02:27 link do post
13 de Maio de 2009

 

 

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?

Será essa, se alguém a escrever,

A verdadeira história da humanidade.

 

O que há é só o mundo verdadeiro, não é nós, só o mundo;

O que não há somos nós, e a verdade está aí.

 

Sou quem falhei ser.

Somos todos quem nos supusemos.

A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

 

Que é daquela nossa verdade – o sonho à janela da infância?

Que é daquela nossa certeza – o propósito à mesa de depois?

 

Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas

Sôbre o parapeito alto da janela de sacada,

Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.

 

Que é da minha realidade, que só tenho a vida?

Que é de mim, que sou só quem existo?

 

Quantos Césares fui!

 

Na alma, e com alguma verdade;

Na imaginação, e com alguma justiça;

Na inteligência, e com alguma razão –

Meu Deus! meu Deus! meu Deus!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

Quantos Césares fui!

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:54 link do post
10 de Maio de 2009

 

 

Nascido a 12 de Fevereiro de 1929, em Lisboa, numa família abastada da aristocracia portuguesa – a Casa de Lafões -, Nuno Bragança frequentou o curso de Agronomia e concluiu o de Direito em 1957. Numa vida curta mas bastante preenchida, merece especial destaque a sua integração no jornal Encontro (orgão da Juventude Universitária Católica), onde assinou os seus primeiros textos literários.

Nos anos 50, dedicou-se à crítica cinematográfica, fundando e dirigindo o Cine-Clube Centro Cultural de Cinema (entre 1956 e 1959). Foi, igualmente, fundador do Serviço Nacional de Emprego e fez parte do célebre movimento Catolicismo Progressista, mantendo uma imparável actividade cultural através da sua colaboração – onde também foi co-fundador – na magnífica revista O Tempo e o Modo, escrevendo inúmeros artigos onde assinou uns como Nuno Bragança e outros como Manuel Caupers.

Durante a década de 60, foi militante do Movimento de Acção Revolucionária e escreveu o argumento e os diálogos do filme-charneira do novo cinema português: Verdes Anos de Paulo Rocha. No período compreendido entre 1968 e 1972 instala-se em Paris, época em que publica o seu primeiro romance A Noite e o Riso e em que sente uma atracção pelas Brigadas Revolucionárias de Isabel do Carmo e Carlos Antunes. É por esta altura (1970) que participa na criação do documentário sobre a emigração, chamado Nacionalidade Português.

Após o seu regresso a Portugal, colabora com o grupo de teatro A Comuna, é assessor no Ministério do Trabalho (a seguir ao 25 de Abril) e faz parte, entre 1974 e 1985, do Grupo de Intervenção Socialista, formado por dissidentes do Partido Socialista.

Publica o seu segundo romance em 1977, intitulado Directa, seguido, em 1981, por Square Tolstoi e, três anos depois, pela colectânea de contos Estação. Toda a restante obra de Nuno Bragança é publicada após a sua morte, que ocorreu a 7 de Fevereiro de 1985.

A Dom Quixote aproveitou para celebrar os 80 anos do seu nascimento, publicando a sua obra completa; os romances A Noite e o Riso, Directa e Square Tolstoi, a colecção de contos intitulada Estação, a novela Do Fim do Mundo e, finalmente, a peça de teatro A Morte da Perdiz.

 

Nuno Bragança é, hoje, um autor quase desconhecido, mas a sua escrita mantém o vigor, a originalidade e o tecido inovador que fizeram da sua obra uma das mais admiráveis da segunda metade do século XX. A sua linguagem, simultaneamente surrealista, políticamente activa, autobiográfica e, por vezes, erótica, funcionou desde o seu início como contraponto ao prematuramente gasto e limitado neo-realismo, abraçando a literatura clássica norte-americana e explorando uma forte e singular ligação com a poesia, rejuvenescendo – por força da sua audácia, sinceridade e expressividade estílistica – a estrutura e os modelos estéticos da ficção nacional.

Um grande escritor da modernidade que nos deixou como legado uma breve mas importante obra que é muito mais do que um mero sublinhado artístico. Aproveitem a oferta.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:58 link do post
10 de Maio de 2009

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:08 link do post
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05 de Maio de 2009

 

 

Com a merecida vénia ao Provas de Contacto - sem o qual nunca me passaria pela cabeça ir à descoberta de um autor que era, para mim, totalmente desconhecido -, apetece-me registar aqui o meu total espanto e fascínio por uma pequena mas admirável obra do compositor romântico francês Ernest Chausson (1855-1899); o inesquecível Poème (para violino e orquestra), interpretado pelo violinista Itzhak Perlman e pela Orquestra Filarmónica de Nova Iorque dirigida por Zubin Mehta.

Trata-se de um magnífico poema de amor, simultaneamente enigmático e cheio de fantasia, onde o violino ocupa, de facto, o papel principal, transmitindo - a quem o escuta - uma sensibilidade docemente melancólica e vagamente estática, intervindo a orquestra, numa combinação mais-do-que-perfeita, para tornar o som (e o volume?) mais espesso e dar-lhe uma textura mais robusta, mantendo uma inacreditável sensação de estarmos a escutar sempre pela primeira vez uma obra contemplativa e profundamente contemporânea.

Não teve, aparentemente, ascendência nem gerou descendência. Apenas sublime e de lugar nenhum.

 

Fiquem com este pequeno excerto numa outra versão disponível no YouTube.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:57 link do post
02 de Maio de 2009

 

Jean François Millet, O Angelus (1859) e Salvador Dali, Atavismo do Crepúsculo (1933-1934)

 

 

 

 

Depois das palavras que Salvador Dali escreveu numa litografia de São Sulpício com o objectivo de provocar os seus colegas surrealistas: «Por vezes escarro, com gosto, no retrato da minha mãe», deu-se a ruptura definitiva com o seu pai, que considerou aquele acto como um verdadeiro insulto.

Por amor à sua terra, e ao contrário de outros pintores seus contemporâneos que se exilaram, o genial pintor surrealista decidiu comprar um pobre casebre numa baía próxima de Cadaqués, em Port Lliget.

É nesta altura que manifesta a sua obsessão por «O Angelus» de Jean François Millet; inspira-se na sua obra e acrescenta-lhe uma notável visão pessoal, pungente e crepuscular da sua terra árida, agreste e primitiva, estruturando as suas fantasias pictóricas de uma forma radicalmente arquitectónica.

publicado por adignidadedadiferenca às 21:07 link do post
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