Sim, é verdade que dois mil e nove já nos deu, pelo menos, o óptimo disco de Andrew Bird, uma gravação muito boa (pronto, consegui libertar-me dos preconceitos) dos Animal Collective e a estupenda interpretação «live» de Van Morrison no regresso ao miraculoso Astral Weeks.
No entanto, a avaliar pelo que escutámos até hoje, a marca que sobressai deste primeiro trimestre do ano é a magnífica colecção de canções assinadas por Neko Case, Alela Diane e da nossa bem portuguesa (enfim, um pouco de patriotismo cai sempre bem) Cristina Branco. E já nem me refiro à sublime gravação da mezzo-soprano Elina Garanča, o sobreexcelente Bel Canto.
Com Kronos, Cristina Branco deixa novamente sem grandes argumentos todos aqueles que continuam a questionar se o que ela canta é fado. Se a tristeza sentida interiormente quando escutamos as suas imensas e cristalinas interpretações convive, inevitavelmente, com o «espírito do fado», a verdade é que o seu ecletismo consegue transformar as canções que interpreta em muito mais do que simples fado. O aviso já vinha de trás. Fora assim em Sensus, em Ulisses ou quando cantou Amália e, mais recentemente, José Afonso.
Cristina Branco, Bomba Relógio
Música popular portuguesa assimilada pelos olhos de José Mário Branco e Sérgio Godinho, pedaços de tango ou um doce e suave aroma brasileiro, convivem muito naturalmente com o esqueleto do fado ou com a sensibilidade outonal da música de câmara. Uma intérprete notável que consegue fazer da música e das palavras dos outros coisa sua.
Não fará mais sentido, por tudo isto, chamá-la autora?
Neko Case regressou com Middle Cyclone e com ele continua a seguir o mesmo trilho sonoro «dirty» e incendiário que já pisámos de Blacklisted a Fox Confessor Brings The Flood. Uma alma vagabunda precursora do country-noir (como já lhe chamaram) em diálogo directo com o mundo habitado pela voz de Patsy Cline ou pelas melodias singulares e oblíquas de Jolie Holland e Cat Power. E, uma vez mais, magnificamente acompanhada pelos cúmplices do costume.
Neko Case, This Tornado Loves You
Acrescentem-lhe o universo devastador e desamparado de Karen Dalton, a solidão de Sandy Denny, a delicadeza sonora do último álbum a solo de PJ Harvey ou a alma fúnebre e agreste de Nina Nastasia (Maria McKee ou Laura Veirs também podiam reclamar a sua presença) e, posso dizê-lo, acabaram de ouvir To Be Still, o segundo e assombroso testemunho musical da mais recente revelação da música popular: Alela Diane.
Alela Diane, White As Diamonds