a dignidade da diferença
26 de Julho de 2008

«Quando desaparece um artista é como se o arco-íris perdesse de repente uma cor. Quando a voz de um cantor desaparece, é como se faltasse de repente um instrumento com um papel importante num concerto. A voz quente, rouca e desesperada de Jacques Brel era inseparável das canções tristes, brutais, provocantes em que tomava o corpo. Voz que também sabia ser suave e meiga quando fazia emergir a corrente de uma ternura, profundamente oculta, tal como um rio volta à superfície depois de ter andado pelas entranhas da terra.

Brel amava com demasiado amor e amizade, o amor, as mulheres e os homens, e muito cedo se sentiu desiludido e ferido ao ver o que as mulheres e os homens (e ele mesmo) eram capazes de fazer da amizade e do amor. A sua irreprimível necessidade de solidão não era senão uma imensa ternura recalcada em virtude de tanta desilusão, um ímpeto de um coração imenso refreado pela experiência e pela razão. Vale mais rir e, até, troçar, para não chorar. (...) Quem se ficava pelas aparências julgava que Brel cantava a infelicidade de ser belga, ou que os seus alvos eram as beatas, as flamengas, os burgueses.

É claro que todos precisamos de dar corpo aos nossos ódios, mas o que Brel denunciou era, no fundo, a infelicidade de ser homem, a hipocrisia, a estupidez e a própria vida que faz de nós aquilo que nunca acreditámos que podíamos vir a ser, aquilo que jurámos a nós próprios que nunca seríamos: gordos, feios, carecas, cobardes – e velhos. »

 

Dominique Jamet (L’Aurore), de Jacques Brel, antologia poética. Assírio & Alvim

 

 

Brel foi crescendo, com o tempo, na arte da composição e interpretação, criando um universo musical (e teatral) de uma complexidade e riqueza cada vez maior e atingindo, na minha opinião, com «Ces Gens-Là», ou seja por volta de 1966, o domínio absoluto da sua linguagem em termos formais e de substância musical, numa empatia mais do que perfeita com François Rauber e com a exuberância e o requinte da sua esplêndida orquestra.

Numa frase: universal e intemporal, para ouvir vezes sem conta e o género de música que deve funcionar sempre como terapia para os momentos mais difíceis.

 ces gens-là

publicado por adignidadedadiferenca às 01:05 link do post
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