The Living road (2003) - Lhasa
Ainda a propósito do tropicalismo, voltei a lembrar-me de Lhasa como exemplo da óptima música que se faz actualmente alimentando-se do multiculturalismo.
Após um álbum de estreia tendencialmente mais tradicional, moldado à base de rancheras, mariachis, pedaços esquecidos de música cigana, judaica e da canção francesa, que nos traz à memória, sobretudo, a voz de Chavela Vargas, mas também os fantasmas de Piaf e de Brel, Lhasa deu um salto em frente com a publicação de «The living road», o seu segundo disco.
Mantendo tudo o que de bom já existia na estreia, a voz torna-se mais quente e dramática, percorrendo as tonalidades sombrias da PJ Harvey do esplendoroso «To bring you my love» e da Nico mais espectral. As músicas cantadas em várias línguas são enriquecidas por arranjos mais conseguidos, elaborados e com uma maior densidade, que, utilizando cores mais diversificadas (mas nunca muito alegres) contrastam, numa primeira impressão, entre si, mas conseguem, afinal, de forma absolutamente magistral, combinar - quase na perfeição - luz e sombra, amargura e esperança, amor e ódio.
Por aqui passa, como se disse, não só um leque mais alargado de referências, como a essencial lição aprendida com Tom Waits: dando aos trompetes, clarinetes, vibrafones, theremins e secção de cordas o uso que daria caso fossem peças amolgadas e esquecidas numa velha oficina abandonada. Um conjunto de melodias inesquecíveis e a utilização adequada da voz como veículo de expressão, fazem o resto. Um disco pertencente à linhagem dos clássicos e que merece ser ouvido nos quatro cantos do mundo.