«Mas reconhecer assim o valor ontológico da estética é, ao mesmo tempo, apreender o seu alcance imediatamente cognitivo e normativo, e compreender que um dos aspectos maiores dos problemas civilizacionais que encontramos na viragem presente da nossa sociedade, que é também o momento em que esta tende a impor-se como referência e como norma planetária, reside na separação que nela se operou entre as dimensões estética, cognitiva e normativa do agir existencial, que se confunde com o modo de ser no mundo. Separado da vida comum e das suas exigências, dos seus fins, da sua vontade de ser, compartimentada na arte (da qual o revestimento estético de construções funcionais, a que o arquitecto procede, não é mais que um momento particular), a produção das formas, a busca expressiva da “beleza”, tornou-se, mais que qualquer outra produção, uma produção arbitrária, quando justamente devia ser o critério último do valor ontológico da nossa vida, sobretudo colectiva. E como a arquitectura, de todas as artes, é a que permanece ligada de mais perto à forma visível que a nossa acção colectiva toma no mundo, uma vez que continua a ser a que adere mais à técnica compreendida como preensão material exercida sobre o mundo e sobre nós próprios, uma vez que, enfim, é aquela em que a exigência da função que cada parte assume na vida do todo se exprime da maneira mais visível, poderíamos dizer que se trata para nós de reinventar, de redescobrir, de reassumir na arquitectura, normas, valores, finalidades que possam servir de critérios à sociedade.»
Michel Freitag, Arquitectura e Sociedade