Embora tardia, deixo-vos aqui a minha derradeira homenagem ao poeta, ensaísta e tradutor António Ramos Rosa (1924-2013), Prémio Pessoa em 1988, e à sua magnífica e duradoura obra, enraizada numa persistente procura de um espaço livre e focada numa angústia existencial amarrada ao absurdo da vida. Um autor imenso cuja trajetória literária exibe um distanciamento e um assinalável desprezo pela vida, envoltos num mundo inesgotável de interrogações e variações estéticas, seladas pela energia, pela complexidade e pelo aperfeiçoamento da palavra. Quase Nada ou Nada, poema publicado em 1979, é um exemplo feliz do percurso estético e literário que, muito resumidamente, vos acabei de descrever.
Por quase nada ou nada
que junção de alegria corpo e terra
que mão sobrou entre as ruínas
que braço ainda respira sobre as pedras?
Isto é uma árvore ou a sombra de umas ancas?
Isto é a terra ou o suor dos ossos nus?
Ainda dirias aqui a sombra azul?
Que mulher te acompanha até ao muro?
Isto é um mar ou um nome sem espessura?
Por quase nada, uma sombra apenas,
uma sombra de quê, breve horizonte, altura
ou boca unida ainda à árvore obscura
ou só a mão que sobra entre ruínas.
Por nada eu te diria,
Por um espasmo de frescura nas palavras,
ó voz entre formigas,
ó forma de desejo já perdida,
ó junção da terra ao corpo em que respiras!