«O tema deste livro é, em primeiro lugar, a história das noites arrancadas à sucessão normal do trabalho e do descanso: interrupção impercetível, inofensiva, dir-se-á, do curso normal das coisas, onde se prepara, se sonha, se vive já o impossível, a suspensão da ancestral hierarquia que subordina aqueles que estão destinados a trabalhar com as mãos aos que receberam o privilégio do pensamento. Noites de estudo, noites de embriaguez. Dias de trabalho prolongados para ouvir a palavra dos apóstolos ou a lição dos educadores do povo, para aprender, sonhar, debater ou escrever. Manhãs de domingo antecipadas para irmos junto para o campo surpreender o nascer do dia. Dessas loucuras, alguns sair-se-ão bem: acabarão empresários ou senadores vitalícios – não necessariamente traidores. Outros morrerão delas: suicídio das aspirações impossíveis, definhamento das revoluções assassinadas, tísica dos exílios nas brumas do Norte, pestes desse Egito onde se procurava a Mulher-Messias, malária do Texas onde se ia construir Icária. A maioria passará a vida nesse anonimato, de onde por vezes emerge o nome de um poeta operário ou do dirigente de uma greve, do organizador de uma efémera associação ou do redator de um jornal logo desaparecido.»
Jacques Rancière in A noite dos proletários (prólogo)