«Whitman é um dos poetas que mais me impressionaram em toda a minha vida. Penso que há uma tendência para confundir o Sr. Walt Whitman, o autor de Folhas de Erva, com Walt Whitman, o protagonista de Folhas de Erva, e aquele Walt Whitman dá-nos menos uma imagem e mais uma espécie de ampliação do poeta. Em Folhas de Erva, Walt Whitman escreveu uma variedade de épica cujo protagonista era Walt Whitman – não o Whitman que escrevia, mas o homem que ele gostaria de ter sido. É claro que não digo isto em desfavor de Whitman, pois a sua obra não deve ser lida como constituindo as confissões de um homem do século XIX, mas, antes, como uma épica sobre uma figura imaginária, uma figura utópica que é, em certa medida, uma ampliação e uma projeção do escritor, bem como do leitor.
Está lembrado que em Folhas de Erva o autor funde-se várias vezes com o leitor e, é claro, isto expressa a sua teoria da democracia, a ideia de que um só e único protagonista pode representar toda uma época. A importância de Whitman nunca é destacada em demasia. Mesmo se tivermos em conta os versículos da Bíblia ou de Blake, podemos afirmar que Whitman foi o inventor do verso livre. Ele pode ser visto de duas maneiras: há o seu lado cívico – o facto de que ficamos cientes da existência de multidões, de grandes cidades e da América -, e há também um elemento íntimo, embora não possamos ter a certeza sobre se ele é genuíno ou não. A personagem que Whitman criou é uma das mais cativantes e memoráveis de toda a literatura. É uma personagem como Dom Quixote ou Hamlet, mas não é menos complexa do que eles, e possivelmente é mais cativante do que qualquer deles.»
Harold Bloom, O Cânone Ocidental, tradução: Manuel Frias Martins