Lou Reed fundou em meados dos anos sessenta do século passado, com John Cale, a mítica banda de rock alternativo The Velvet Underground, cuja matriz musical – assente numa estrutura sonora simultaneamente lírica e primitiva, insistentemente negra, crua, suja, rugosa e densa, propositadamente contra corrente, que se alimentava de inesperados sobressaltos melódicos, experimentalismo e eletricidade pura, diálogos instrumentais em queda livre, acelerações e desacelerações rítmicas – influenciou sucessivas gerações de músicos que nunca esconderam o seu legado musical. Terminada a magnífica experiência velvetiana, Reed iniciou uma irregular mas significativa carreira a solo, contribuindo para o seu cânone musical o glam rock de Transformer (1972), que guarda no seu seio o hiperclássico Walk on the Wild Side; o depressivo Berlin (1973), que um excessivo protagonismo orquestral não conseguiu, ainda assim, apagar a explosão interior de raiva e ódio, nem a sublime depuração sonora da grande maioria das canções; o canto falado, os textos magníficos e a eletricidade brutal do notável New York (1989), essencial retrato, cru e pessimista, dos anos da administração Reagan; Songs for Drella (1990), o assombroso requiem sonoro em memória de Andy Warhol elaborado a meias com John Cale, o irmão desavindo; Magic and Loss (1992), glacial e comovente partilha da dor e genial demonstração de maturidade estética na suprema atenção que é dada ao mínimo detalhe sonoro; e, por último, a verdadeira obra-prima que é The Raven (2003), baseado na obra de Edgar Allan Poe, resumo essencial da visão estética tão rudimentar quanto erudita de um dos mais notáveis e elementares escritores de canções de que há memória.