A obra de um dos mais estimáveis cineastas da história do cinema francês, Jacques Demy, tem visto lentamente a luz do dia através do seu lançamento periódico em DVD, cuja edição mais recente - de Lola, (1960), La Baie des Anges (1962) e Une Chambre en Ville (1982) - se deve à excelente iniciativa tomada pela Midas. Conhecido principalmente pelos seus filmes cantados, Les Parapluies de Cherbourg (1963) e Les Demoiselles de Rochefort (1966), torna-se forçoso reconhecer que a restante obra de Demy merece uma reavaliação estética, designadamente, mas não só, o belíssimo Lola (estreia de Demy como autor de longas-metragens) e o magnífico e viciante La Baie des Anges. Correspondendo ao começo da sua carreira, ambos revelam já por inteiro o universo particularíssimo do cineasta francês: os encontros e desencontros amorosos, o cruzamento natural entre fantasia e realidade, ou uma acentuada tonalidade melancólica que funciona como contraponto à doçura generalizada dos ambientes, adicionando à mise en scène um travo final agridoce. A maestria técnica – que sobressai em cada plano da sua mise en scène – e a dinâmica de Demy, esta última influenciada pelo trabalho de Max Ophuls ou de Jean Cocteau, têm uma elegância misteriosa e rara. Às suas personagens, Demy atribui-lhes uma doçura (mas também o seu negativo), uma fragilidade e uma sensibilidade únicas, características essenciais que, acompanhadas por uma tensão que nasce das suas relações recíprocas, conferem ao cinema do autor francês o estatuto certeiro de clássico moderno, para cujo equilíbrio e diversidade estética contribui significativamente a óptima música de Michel Legrand.
La Baie des Anges