a dignidade da diferença
04 de Agosto de 2015

Verdade ou não, será, pelo menos, um belo naco de poesia – retirado de Número Zero, a mais recente obra de ficção do seu autor, Umberto Eco, recomendável também por outras razões, sobretudo por se tratar de uma certeira, amarga e lúcida abordagem ao mundo do jornalismo contemporâneo, escrita numa linguagem concisa, afiada e elegante - «Os perdedores, como os autodidactas, têm sempre conhecimentos mais vastos do que os vencedores: se queres vencer, tens de saber uma coisa só e não perder tempo a sabê-las todas, o prazer da erudição está reservado aos perdedores. Quantas mais coisas uma pessoa sabe, mais as coisas não lhe correram como deveriam».

 

Descoberto inicialmente aqui.

 

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«A doctor smiled at him from somewhere across the room/Son we saved your life but you’ll never look the same/And when he heard that Harry had to laugh (…)/Although it hurt Harry had to laugh/The final disappointment»

Lou Reed, Harry’s Circumcision

10 de Julho de 2014

 

 

A estreia de Suzanne Vega, com o álbum homónimo de 1985, consiste numa combinação peculiar da estrutura elementar de uma folk nua e minimalista com a geometria, a clareza e a precisão microscópica das suas short stories, nas quais sobressai uma análise simultaneamente detalhada e concentrada da realidade. Solitude Standing e Days of Open Hand trazem a dinâmica e a energia pop para o corpo das canções. Em 1992, com o portentoso 99.9 F°- um dos raros álbuns verdadeiramente essenciais da música popular contemporânea -, Suzanne Vega, auxiliada pela produção cirúrgica de Mitchell Froom, enriquece a paleta sonora e amplia os seus horizontes musicais, coabitando no seu interior, entre outros, o universo estético de Leonard Cohen, Lou Reed, Laurie Anderson e Tom Waits. A matéria das canções estende-se e adquire uma maior nitidez e expressividade. Nine Objects of Desire evolui nesse sentido e dedica a mesma atenção ao vocabulário da canção. Songs in Red and Gray (de 2001) equilibra de forma notável a aparente contradição entre a crueza dos textos e melodias sedutoras. Em 2007, porém, a autora norte-americana dá um primeiro passo em falso com o pouco inspirado Beauty and Crime. Por sua vez, o recente e vibrante Tales From the Realm of the Queen of Pentacles recupera a vontade de experimentar textos e decompor intrincadas texturas melódicas e harmónicas, eliminando os infundados receios de esgotamento criativo determinados pelo álbum anterior. Esse último trabalho e uma actuação cheia de garra na noite fria do EDP Cool Jazz, em Oeiras - cuja tensão eléctrica encaixou naturalmente nas óptimas e concisas canções da autora norte-americana - vieram provar que ainda não escoou o seu prazo de validade.

27 de Outubro de 2013

  

 
«O que eu queria era pegar naqueles três acordes e aplicar-lhes as palavras. O meu amigo e professor Delmore Schwartz tinha escrito algumas novelas que me tinham impressionado tanto que pensei poder tocar aqueles acordes de que eu tanto gostava, satisfazendo ao mesmo tempo aquela parte de mim que desejava ser escritor.Podia juntar as duas coisas, parecia-me fácil, e ter assim tudo aquilo de que verdadeiramente gostava: a guitarra eléctrica, aqueles acordes e as palavras. Mas não queria parecer-me com todos os outros»
Lou Reed, Superstars, Andy WWarhol e os Velvet Underground (traduzido por João Lisboa). 

 

27 de Outubro de 2013

 

 

Morreu, com 71 anos de idade, Lou Reed. Um músico genial, inventor, entre outras coisas, com os Velvet Underground, do conceito de música alternativa e criador de um estilo tantas vezes imitado: a poesia underground, uma visão da música simultaneamente selvagem, primitiva, lírica e erudita, o olhar cínico, sombrio e realista de cronista contemporâneo, o canto quase falado e uma maneira original, económica, rugosa, seca e, por vezes, brutal, de retocar os três acordes básicos do rock’n’roll. Para a história da música popular ficam, no mínimo, com os Velvets, The Velvet Underground & Nico, White Light/White Heat, VU ou Live MCMXCIII. A solo ficam, por sua vez, Transformer, New York, Songs For Drella (escrito a meias com John Cale, o seu irmão desavindo), Magic And Loss ou The Raven (talvez a sua obra-prima). Mas seria imperdoável esquecer álbuns do calibre do terceiro dos Velvet Underground, de Street Hassle e The Blue Mask (estes dois últimos a solo); ou ainda um punhado de grandes canções irregularmente distribuídas por cerca de três dezenas de álbuns.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 18:39 link do post
25 de Agosto de 2013

Lou Reed: New York (1989)

 

 

Após uma longa série de álbuns sofríveis – iniciada após o lendário Berlin (1973), onde os ocasionais excessos orquestrais dificultam, contudo, a sua resistência à passagem do tempo – Lou Reed regressou à boa forma com o exemplar neoclassicismo de New York (1989). Denúncia implacável e consistente dos oito anos de administração Reagan e da sua insensibilidade social, New York é um relato cru da cultura urbana daqueles dias, apontando, num mundo crivado de dúvidas, o dedo ao racismo, à marginalidade infantil ou ao esquecimento dos veteranos de guerra. Incisivo, direto, seco e brutal, Lou Reed recuperou as qualidades evidenciadas num estilo tantas vezes copiado: o canto quase falado, uma engenhosa economia de meios, a superior expressividade sonora, os momentos de tensão quase insuportável ou o formidável talento – cada vez mais apurado – de cronista hiper-realista. Optando por uma estrutura orgânica sistematizada, Lou Reed articula as canções do álbum entre si, submetendo-as a uma unidade temática e criando uma atmosfera densa de música e palavras que irá explorar nos trabalhos imediatamente seguintes; o belíssimo Songs For Drella (construído a meias com o irmão desavindo John Cale) e o genial e negríssimo Magic And Loss. Uma trilogia inadjetivável que não ganhou, até hoje, uma única ruga.

 

 

17 de Novembro de 2012

 

 

The Velvet Underground & Nico, o hiperclássico da banda originalmente formada por Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison e Maureen Tucker, celebra 45 anos de existência e terá sido provavelmente o primeiro disco de rock de vanguarda.  Vendeu pouco, mas na opinião de Brian Eno «quase todos os que o compraram formaram de seguida uma banda». Com o patrocínio de Andy Warhol, os velvets reuniram no seu corpo musical a crueza e secura das palavras de Reed, a experimentação, o negrume e o espírito vanguardista de Cale, o rigor rítmico de Morrison e a energia e tensão de Moe Tucker. Com a cumplicidade ocasional da voz gélida de Nico, o álbum de estreia ampliou todas estas qualidades convertendo-as numa massa sonora simultaneamente lírica e primitiva, quase sempre dissonante, angustiante e duma violência extrema, sem contudo rejeitar uma aproximação a delicadas e sedutoras melodias pop (embora com uma dose de veneno nada desprezível). Deliberadamente contra corrente, opositora natural do hippismo e flower power da época, a música dos Velvet Underground era prodigiosamente densa e rugosa, tensa e dramática, crescia avassaladoramente entre acelerações e desacelerações constantes, qual comboio elétrico imparável, e mostrava pela primeira vez uma visão crua da realidade, percorrendo com lentes desfocadas um quadro negro, esquizofrénico e dilacerado, onde cabia a androgenia, o sadomasoquismo, o mundo da droga, a violência das ruas ou a angústia de quem vive num mundo com poucas escolhas possíveis. Com Femme Fatale, Venus in Furs, All Tomorrow's Parties, Heroin, I'll Be Your Mirror ou Black Angel's Death Song, foi aqui que o rock alternativo verdadeiramente criou a sua matriz fundadora.

 

04 de Março de 2012

 

 

Lou Reed fundou em meados dos anos sessenta do século passado, com John Cale, a mítica banda de rock alternativo The Velvet Underground, cuja matriz musical – assente numa estrutura sonora simultaneamente lírica e primitiva, insistentemente negra, crua, suja, rugosa e densa, propositadamente contra corrente, que se alimentava de inesperados sobressaltos melódicos, experimentalismo e eletricidade pura, diálogos instrumentais em queda livre, acelerações e desacelerações rítmicas – influenciou sucessivas gerações de músicos que nunca esconderam o seu legado musical. Terminada a magnífica experiência velvetiana, Reed iniciou uma irregular mas significativa carreira a solo, contribuindo para o seu cânone musical o glam rock de Transformer (1972), que guarda no seu seio o hiperclássico Walk on the Wild Side; o depressivo Berlin (1973), que um excessivo protagonismo orquestral não conseguiu, ainda assim, apagar a explosão interior de raiva e ódio, nem a sublime depuração sonora da grande maioria das canções; o canto falado, os textos magníficos e a eletricidade brutal do notável New York (1989), essencial retrato, cru e pessimista, dos anos da administração Reagan; Songs for Drella (1990), o assombroso requiem sonoro em memória de Andy Warhol elaborado a meias com John Cale, o irmão desavindo; Magic and Loss (1992), glacial e comovente partilha da dor e genial demonstração de maturidade estética na suprema atenção que é dada ao mínimo detalhe sonoro; e, por último, a verdadeira obra-prima que é The Raven (2003), baseado na obra de Edgar Allan Poe, resumo essencial da visão estética tão rudimentar quanto erudita de um dos mais notáveis e elementares escritores de canções de que há memória.

 

19 de Setembro de 2010

 

Ainda há músicos que merecem a nossa admiração para o resto da vida. Lou Reed é, sem dúvida, um deles. Ora vejam a notícia que saiu na Revista Única do semanário Expresso: uma pequena delícia!

 

«O cantor e compositor Lou Reed proibiu a cantora Susan Boyle de cantar um tema seu no programa “America’s Got Talent”, a versão nos EUA do concurso que a escocesa Boyle ganhou no Reino Unido. Boyle preparava-se para cantar “Perfect Day”, quando Lou Reed lhe negou a autorização, alegando não gostar da cantora. Susan teve um ataque de choro e não participou no programa.»

 

A versão é, obviamente, uma choradeira pegada fruto da visão pateta de quem não tem o mínimo sentido estético e se limita a oferecer uma cantilena que parece um xaile de rezas de um grupo de escuteiros. Oh, tão celestial!

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:24 link do post
12 de Setembro de 2009

 

A propósito de uma óptima escolha do Victor Afonso que é também um dos discos que mudaram a minha vida.

 

Open House

 

Style it Takes

 

Trouble With Classicists

 

Nobody But You

 

Hello It's Me

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:01 link do post
31 de Janeiro de 2009

 

 

The kids

 

The bed

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:43 link do post
29 de Janeiro de 2009

 

Se ainda restava alguma dúvida sobre o local para onde se deveria ter dirigido, no verão passado, quem se manteve indeciso até á última hora entre assistir ao concerto de Lou Reed ou ao regresso de Leonard Cohen, para mim tudo ficou definitivamente esclarecido. Bastou-me assistir ao filme-concerto de Julian Schnabel (em DVD) sobre a magnífica performance do músico norte-americano, que recupera, de forma extraordinária, as preciosas e trágicas canções do álbum Berlin.

Se me apetece falar muito do verdadeiro estado de graça em que se encontra Lou Reed, e que se mantém depois de assinar o genial The Raven, confesso que, na realidade, o mais surpreendente foi testemunhar a miraculosa transformação que o lendário songwriter de New York operou no cada vez mais dispensável Antony.

Não sei se existe alguma explicação racional para o acontecimento, o certo é que, na companhia de Lou Reed, Antony voltou a ser notável quando interpretou a belíssima Candy Says dos Velvet Underground.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 22:59 link do post
19 de Julho de 2008

 

 

 

 

 

Tive esta semana a possibilidade de, por motivos inesperados, passar uma vista de olhos pela revista Visão. Ao ser chamado à atenção pela capa da revista para o exclusivo «Enfrentámos o mau feitio de Lou Reed» (bela campanha publicitária, sem dúvida) aproveitei, naturalmente,  para ler a dita.

Queixa-se, então, o jornalista (que mais parece um estagiário) do mau feitio do músico nova-iorquino. Conta, com alguma graça, o conhecimento que já tinha das dificuldades que o músico costuma criar aos jornalistas e as peripécias que teve de ultrapassar para conseguir falar com ele. Até aqui nada a apontar. O pior veio a seguir.

O jornalista da Visão começa por perguntar «Quando está em palco, a tocar as canções de Berlin, sente-se transportado sempre para um certo estado de espírito, ligado ao ambiente do disco (...) e ao momento em que o gravou?» Reed responde telegraficamente e a resposta não satisfaz o entrevistador. Insiste nos mesmo tema e obtém uma resposta um pouco mais desenvolvida que continua a não satisfazer. Faz a 3.ª pergunta (não vão acreditar, mas é uma variante das duas primeiras) e recebe o primeiro KO: «Está a fazer-me a mesma pergunta dez vezes! Ok? Acho que já chega. Não vai conseguir outra resposta que signifique alguma coisa para si. (...)»

Só o pobre coitado é que ainda não tinha percebido que já estava arrumado. Após mais uma série de perguntas banalíssimas – então aquela do «(...) actualmente sente-se mais um homem do rock’n’roll ou da escrita, da literatura?» o Lou Reed já deve ter ouvido um milhão de vezes, pelo menos – onde teve o azar de informar que o Leonard Cohen ia tocar na mesma noite, o que irritou ainda mais o entrevistado, Pedro Dias de Almeida (nome do jornalista) entra directamente para o anedotário nacional deste ano com a pergunta mais idiota que já fizeram ao autor de Berlin. «Aos 66 anos, como é um dia perfeito (sim, é isso, a velha canção “Just a perfect day...”), para si?» – a canção nem se chama exactamente assim, mas eu também já não esperava melhor -. E Lou Reed aproveita (quem não o faria?) para desfazer o jornalista em cacos, humilhando-o sem apelo nem agravo. «Oh, por favor...  Não me faça perguntas dessas. (...) De certeza que consegue fazer melhor... Mas se quiser desperdiçar o seu tempo, esteja à vontade...» KO absoluto antes de terminar o 1.º round e o jornalista vai-se arrastando, lamentavelmente, por perguntas intragáveis do género «tem referências da música portuguesa e da literatura? Blá, blá, blá» e outras mais ou menos aceitáveis mas totalmente desgarradas e sem qualquer tipo de ligação aparente.

No final, Pedro Dias de Almeida desabafa: «Pensamento positivo, e uma certeza: em palco ele é muito melhor do que no meu telemóvel.

Lou Reed deve ter pensado qualquer coisa do género: Espero que o público presente no meu concerto seja bem melhor do que este tipo que me apareceu hoje.

E depois queixam-se do seu mau feitio!

 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:01 link do post
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