a dignidade da diferença
15 de Dezembro de 2013

 

Moloch

 

Realizado pelo russo Aleksandr Sokurov, em 1999, Moloch traça o quotidiano e a vida interior de Hitler e Eva Braun, um delírio ficcional que explora com profundidade a tensão psicológica que implode e mina um fim-de-semana em que o casal recebe um grupo de convidados na casa de campo do Führer. Dois anos depois, Taurus aborda os últimos momentos de vida de um Lenine moribundo, o modo como enfrenta a morte que se aproxima. É um retrato denso sobre a sua solidão, impotência, desintegração e perda de consciência. O imperador Hirohito é o terceiro ditador escolhido por Sokurov. O Sol, trabalhado na sua máxima depuração e complexidade, concluído em 2005, avalia o comportamento do imperador nos últimos dias da Segunda Guerra Mundial, quando decide pôr fim à resistência japonesa e acabar com as hostilidades.

 

Taurus

 

Por último, Fausto, vencedor do Festival de Veneza de 2011 e o único dos quatro filmes do autor russo a passar pelo circuito comercial do nosso país, baseia-se na primeira parte da tragédia de Goethe (embora não se trate de uma adaptação linear): em troca da promessa de dinheiro e da mulher que deseja, Fausto deixa-se manipular por um indescritível Mefistófeles. Sokurov concebe um prodigioso universo de imagens criando no espectador a mais pura estupefação perante a alquimia de um espaço onde abandona a sua personagem à fatalidade. Fausto, vertiginoso e fascinante, um misto de beleza e horror, completa a obra do cineasta russo estruturada sob a figura destrutiva do poder, na qual o seu autor idealiza actualmente a mais consistente relação do cinema com a pintura, com um notável trabalho pictórico ao serviço da narrativa que faz da sua filmografia um objeto único e irrepetível. A Leopardo Filmes, numa feliz iniciativa, acabou de lançar esta tetralogia do poder no mercado videográfico.

 

Faust

publicado por adignidadedadiferenca às 20:09 link do post
03 de Janeiro de 2010

 

Dois mil e nove foi um ano de boa colheita para a música nacional. Por uma vez foi possível fazer uma lista com doze discos de qualidade - como se fosse um por cada mês de calendário - e ainda ficaram uns quantos de fora. Voltará a repetir-se?

 

Uma Autora 202 Canções, Amélia Muge

 

B Fachada, B Fachada

 

Cacique'97, Cacique'97

 

Kronos, Cristina Branco

 

Joana Carneiro/Orquestra Gulbenkian/Tchaikovsky, Joana Carneiro

 

Muda Que Muda, João Coração

 

Três Cantos Ao Vivo, José Mário Branco/Sérgio Godinho/Fausto

 

Assim Falava Jazzatustra, Júlio Resende

 

Meio Disco, Os Quais

 

Tasca Beat - O Sonho Português, OqueStrada

 

Luminismo, Ricardo Rocha

 

Nem Lhe Tocava, Samuel Úria

 

06 de Dezembro de 2009

 

A ausência tem sido longa e o tempo é cada vez mais curto, mas aproveito este espaço para vos recomendar algumas das minhas últimas escutas musicais.

Em primeiro lugar, As 7 Últimas Palavras de Cristo na Cruz, onde o génio de Haydn é filtrado por um classicismo rigoroso e pela absoluta emoção interpretativa da Orchestra Of The Eighteenth Century dirigida pelo lendário Frans Brüggen.

 

Uma leitura igualmente notável de Jordi Savall

 

Tom Waits regressa, em Glitter And Doom, com a sua trupe de saltimbancos sonoros e oferece-nos mais uma gravação ao vivo irrepetível acompanhada por uma versão extraordinária de Dirt In The Ground.

 

Dirt In The Ground

 

The Unthanks (das irmãs Rachel e Becky) estabelecem um novo paradigma para a música folk contemporânea no novíssimo Here’s The Tender Coming, que só surpreende quem nunca escutou o anterior e magnífico The Bairns.

 

The Testimony of Patience Kershaw

 

Para o final ficam as obras nacionais. O pianista Júlio Resende destaca-se com um belo, enérgico e, por vezes, silenciosamente contemplativo disco de jazz. Um músico a merecer atenção nos próximos trabalhos.

 

Boom!

 

Foi, finalmente, editada em CD e DVD duplos, a recente reunião ao vivo dos três sobreviventes – para usar uma expressão feliz do crítico João Lisboa – da música popular portuguesa: José Mário Branco, Sérgio Godinho e Fausto. Três Cantos Ao Vivo serve, sobretudo, para compensar aqueles que não puderam estar presentes nos referidos concertos.

Foi um belíssimo espectáculo assinado por três músicos talentosos que evitaram superiormente os perigosos saudosismos que, muitas vezes, ficam associados a este tipo de «celebração». Apenas um reparo para a não inclusão, pelo menos no DVD, da totalidade das canções interpretadas.

Fiquem bem.

 

Trailer do espectáculo

 

 

15 de Março de 2009

 

Hoje estou aqui para celebrar o verdadeiro acontecimento que é a edição nacional em DVD de dois dos mais extraordinários e importantes filmes do cinema mudo (quero dizer: de todo o cinema). Falo de «Os Nibelungos» (1924) - dividido em duas partes: «A morte de Siegrfried» e «A vingança de Kriemhild» - do genial Fritz Lang e de «Fausto» (1926) do não menos genial F. W. Murnau.

Em «Os Nibelungos» assistimos à oposição entre o mundo masculino de «A morte de Siegfried» e o mundo feminino de «A vingança de Kriemhild», e apercebemo-nos do extraordinário jogo de contrastes entre luz e sombra: a luminosidade da 1.ª parte «contra» o mundo sombrio e interior de «A vingança de Kriemhild».

 

Muito haverá para dizer sobre esta saga sumptuosa e deslumbrante. Fritz Lang, com uma majestade arquitectónica, começa por nos contar a história épica de um herói mítico e conclui, na 2.ª parte, com um retrato abissal e dramático de uma vida organizada sob o espectro da vingança, do conflito, da morte e das paixões extremadas.

Todo o peso da mitologia está presente neste filme, o qual não deixa, apesar disso ou por essa razão, de ser profundamente humano e de nos tocar de forma tão intensa. E mais não conto porque o essencial mesmo é ver o(s) filme(s).

O mito de Fausto está, por sua vez, presente naquele que é o último filme alemão de Murnau (uma superprodução da época) – autor, entre outros filmes memoráveis, das obras-primas «Nosferatu», «Sunrise» e «Tabu» -, o qual se serve, essencialmente, das adaptações de Goethe e Christopher Marlowe, para completar esta magnífica obra.

 

Se outras e boas razões não houvesse, só o facto de termos, finalmente, acesso a este filme - tantas vezes inacessível aos olhos que o quiseram ver – merece esta pequena celebração.

Claro que este texto só faz sentido para quem tem memória (e se serve dela) e sabe que o cinema já fez mais de 100 anos. Para os outros, espero que um feliz acaso os faça mudar a sua opinião e se dedicam a algo mais do que ver, apenas, os filmes realizados nos últimos quatro ou cinco anos (mais do que isso já será, para eles, um filme «antigo»).

 

publicado por adignidadedadiferenca às 17:33 link do post
08 de Janeiro de 2008

Num pequeno país como o nosso, onde a atenção prestada à cultura – e às mais variadíssimas formas de expressão artística – é muito pouca, o que esperar da música que se ouve e da música que se faz? Muito pouco, obviamente.

Sim, eu sei que todas as músicas merecem ser respeitadas, porque todas elas preenchem, de uma certa forma, uma parte nada desprezível da vida de cada um de nós (até o documentário «ainda há pastores», transmitido na Sic, mostrou isso de forma veemente, ao descrever-nos a importância que a música de Quim Barreiros tem nas pequenas coisas que compõem o universo dum dos pastores ali retratados). Mas, desafiando quem acena com os mandamentos de um certo relativismo cultural, também será legítimo lamentar quando muitos hesitam perante o que lhes exige uma escuta atenta e privilegiam, quase sempre, a música massificada, uniformizada e expressa de forma indigente. Este gosto (duvidoso) resulta, não por se discordar de determinada corrente ou ousadia estética, mas na opção que se toma, negligentemente, por  música esteticamente desclassificada. Se nem tudo se reduz a música fácil, muito se deve à disponibilidade que alguns vão mantendo para divulgarem as imensas possibilidades e soluções que a música nos pode oferecer. Claro que a melhor música nunca foi feita para toda a gente e acaba, mais cedo ou mais tarde, por chegar a quem  a «merece». Contudo, e a título de exemplo, não deverá o nosso ouvido estar atento às coisas simples, sim, mas onde, lentamente, lhes vamos adivinhando pequenas subtilezas que as vão enriquecendo e matizando? E porquê tanta condescendência para a verdadeira ditadura das «playlists» radiofónicas e para o manifesto desinteresse a que é votado, pelas nossas televisões, qualquer tipo de música construída de forma minimamente original, inteligente e sensível?

Se faltam as escolas e, consequentemente, alunos que, nelas, aprendam, na música popular nem é disso verdadeiramente que se trata. Claro que, com maior quantidade de músicos, mais fácil se torna haver música de qualidade. Mas, na realidade, a melhor música popular nunca dependeu directamente da formação musical dos seus executantes, porque sempre se valeu mais das ideias que da técnica (e bem sabemos o que aconteceu quando o interesse pela execução técnica ficou com a parte de leão. Rock progressivo, diz-vos alguma coisa?). A pecha maior será num âmbito cultural mais vasto. Julgo que a maioria tem, talvez, a noção de que a educação é da única responsabilidade dos pais e acaba com a independência conquistada. Mas não nos fará falta, para uma aprendizagem mais profunda, a música, a literatura, a história, o cinema, a pintura e por aí fora? Caso contrário, do que serão feitos os nossos sonhos e com que coisas ocuparemos o nosso espírito?

Claro que esta mentalidade se transmite, muito naturalmente, para os músicos. Se ao público, em geral, pouco apetece ouvir, aos músicos pouco apetece fazer... Pois bem, e agora, que balanço se deve fazer do ano musical que findou?

Lixo do ano para as canções diabéticas e infantilizadas de André Sardet, para o verdadeiro espírito «natal dos hospitais» do duo formado por João Pedro Pais e Mafalda Veiga e, em menor escala, para o descarado copianço que se faz da música que vem lá de fora.





Do que merece ser recordado, como sempre, a escassez é grande. No género clássico, foi importante a edição integral das canções de Luís de Freitas Branco e a edição da obra «in memoriam Béla Bartók» da autoria de Fernando Lopes-Graça,  interpretada pelo pianista António Rosado, em mais uma louvável iniciativa da câmara municipal de Matosinhos e da Numérica. Na área do jazz, vale a pena rendermo-nos à Orquestra de Jazz de Matosinhos. Para a música popular, destaque primeiro e quase exclusivo para Amélia Muge e «não sou daqui». Música portuguesa cada vez mais música do mundo. Ainda, e de novo, a melhor voz nacional, e a mais-valia de ter, entre o muito bom que é tudo o resto, três canções absolutamente espantosas: «entre o deserto e o deserto», «na noite mais escura» e «transparência» a fazer lembrar (muito) a clareza e gravidade de June Tabor (estarei a delirar?). Na música pop/rock, depois das surpresas de 2006, vindas dos München e dos Garoto que nos trouxeram uma leve brisa com sabor – entre outros - a Mler ife dada, tivemos mais um óptimo álbum dos Clã. Demonstração clara e inequívoca de que música pop de efeito imediato não deve menosprezar a sofisticação e a certeza de aqui residir (o que já todos terão reparado) a descendênca directa de Sérgio Godinho. Até nem é de espantar, pois é dos Clã que têm vindo alguns dos alfaiates que confeccionam os fatos que as suas últimas canções vestem quando precisam de sair à rua para se mostrar. Bastante bom é, também, o último trabalho de Jorge Palma. Repleto de equilibradas e clássicas canções de travo romântico cheio de bom gosto, o músico quase se esquece dos excessos que o têm penalizado bastante. Claramente, o melhor disco da sua longa carreira, a que o público, surpreendentemente, aderiu de forma incondicional. Referência, ainda para o muito bom disco dos Chuchurumel. Música tradicional feita com as ferramentas e com a sensibilidade dos dias de hoje, o que a torna, simultaneamente, numa música ainda não escutada e com visão do futuro. Quase fez esquecer o bonito primeiro disco das Xaile cozinhado com temperos de vários continentes. Dos Chuchurumel é, ainda, uma das canções do ano: «coquelhada marralheira». A pacatez de trás-os-montes esventrada literalmente por um abrasador bandolim eléctrico. Nota final para Cristina Branco que gravou mais um magnífico álbum com versões de José Afonso, o que, nela, já não surpreende, porque dela se espera tudo. Disco interessante o de Mazgani, de quem, contudo, depois do que li, esperava mais e incompreensão absoluta para o coro de elogios dedicados a David Fonseca e aos Wraygunn. E uma falta que não (me) perdoo: esqueci-me de ouvir JP Simões, de cujo passado gosto especialmente, seja nos Belle Chase Hotel, seja no Quinteto Tati.

 

E, se a memória não me atraiçoa, nada mais resta. Que saudades da fervilhante pop lusa dos anos 80 e primeira metade dos anos 90 e das constantes novidades que emergiam da música de raíz tradicional, construídas com personalidade e, nalguns casos, com um pé bem fincado no futuro.

E agora, um pouco de fel. Em 2007, prosseguiu a trágica história de Fausto Bordalo Dias, com a publicação de mais uma retrospectiva discográfica. É impressão minha, ou ele tem editado mais colectâneas do que discos originais? Eis nova prova documental do caso, dificilmente explicável, de um músico talentoso que é, uma vez mais, desperdiçado na construção de canções persistentemente aborrecidas, enfadonhas e, cada vez, mais iguais umas às outras. O que já acontecia com a publicação de «por este rio acima» ainda hoje, na minha modesta opinião, o mais sobrevalorizado álbum de música popular portuguesa. Porque será que o engenho de Fausto só se manifesta, de forma imaginativa, quando participa em obra alheia?

E não me quero despedir sem maldizer todos aqueles que não prestaram a devida vénia ao grupo que, justamente, os portugueses deveriam estar a ouvir: The National. Publicaram este ano «boxer» que é, apenas, o mais extraordinário e poético disco do ano.

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