a dignidade da diferença
23 de Dezembro de 2016

 

Escutamos com frequência o velho discurso com cheiro a mofo sobre a falta de valores. Diz-se, então, que o mundo está perdido e que vivemos na era do vazio e da ausência de valores. A ladainha repete-se em vários registos: No meu tempo havia valores que agora já não existem, dizem os mais velhos de espírito. Na minha época o respeito era uma coisa muito bonita. Hoje, os jovens estão perdidos e não têm valores; os pais não educam os filhos, os filhos não respeitam os pais, os estudantes não respeitam os professores, ninguém respeita a autoridade nem os mais velhos. É o discurso de quem já se esqueceu que foi jovem, que já ouviu em tempos essas palavras da boca de alguém mais velho e, agora, se esqueceu de que não gostou. (…) Este discurso fácil e que deixa transparecer algum azedume pouco acrescenta à nossa reflexão. A ideia de que não existem valores, de que o mundo está perdido e os jovens desorientados, de que impera a lei do mais forte, de que tudo é uma selva sem referências é, segundo Hegel, o manifesto da consciência infeliz. Na realidade, nunca há crise de valores. O que há são discursos pouco entusiastas que afirmam a falta de valores. Há azedumes que ficam como calcário agarrado e incrustado nos canos velhos. Temos solução para os canos. Também haverá solução para o azedume. (…) Nunca existiram tantos valores como hoje. Talvez tudo se tenha tornado mais confuso ou complexo, apenas isso. Deus, pátria e família deixou de ser um menu exclusivo. Hoje temos uma multiplicidade de escolhas.

 

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O mundo está repleto de valores e de causas (…) Ecologia, ambiente, sustentabilidade, energias renováveis, acessibilidades, direitos dos animais, defesa da terra, defesa das minorias, defesa das vozes diferentes, defesa das mulheres, das crianças, dos velhos, defesa dos deficientes, dos direitos humanos, do património, da qualidade de vida, dos pobres, dos emigrantes, dos excluídos, da equidade, contra o tráfico de pessoas, protecção às vítimas, protecção aos dissidentes e aos refugiados. Contra a ganância de banqueiros, a sociedade criou bancos alimentares, bancos de ajuda, bancos de horas e bancas de voluntários prestes a ajudar. Existem dias de tudo e mais alguma coisa. Cidadania. Associações locais, culturais, desportivas e recreativas. Talvez nunca, como no século XXI, tenha havido tantas associações cívicas, tantas movimentações, tanta consciência de direitos e deveres. Para uns, mais consciência de direitos do que deveres, mas sempre apelos à sociedade civil. (…) O mundo tornou-se mais complexo (…) A perplexidade surge quando descobrimos incoerências e contradições ou quando somos confrontados com um problema ao qual podem ser aplicados princípios conflituantes. (…) O problema não é geracional. Já não é preocupante se os filhos afirmam valores diferentes dos pais. No mesmo espaço, no mesmo tempo, na mesma geração, coexistem visões distintas, causas diversas.

Mendo Henriques e Nazaré Barros in Olá, Consciência! Uma Viagem Pela Filosofia

09 de Julho de 2011

 

 

Há dias, no blog Sound + Vision, João Lopes manifestou a sua preocupação pela actual e generalizada falta de educação cinematográfica. Dizia o conhecido crítico, com legítima preocupação, «como é que um espectador formado (?) apenas a ver filmes como este (Transformers 3) se pode alguma vez interessar por um épico de Griffith, um drama de Bergman ou uma comédia de Jerry Lewis? A resposta é simples: não pode. Porquê? Porque não sabe e, sobretudo, porque foi educado para não querer saber». Ontem, porém, numa conversa circunstancial que tivemos com uma colega de trabalho, verificámos que, felizmente, ainda não são todos assim. Dizia ela, com agrado e alguma surpresa, que o seu filho de 15 anos adorava ver os clássicos do cinema dos anos 40 ou 50, ao contrário dos colegas da mesma idade. Citava, como exemplos, o Citizen Kane, de Orson Welles, o VertigoA Janela Indiscreta, ambos de Hitchcock, ou A Laranja Mecânica de Kubrick. Filmes que ela, a propósito, aproveitava para (re)ver com o filho. E já estava convidada para assistir ao Dr. EstranhoAmor. Talvez ainda não se sinta a diferença entre este adolescente e os seus colegas. Mas, mais tarde, ela irá naturalmente revelar-se. É que um vai ter espírito crítico, vai saber que o cinema – e não só – tem memória, vai poder comparar o que se faz hoje com o que se fez ontem e, nessa medida, vai ter uma capacidade superior à dos colegas para avaliar e valorizar determinada obra em termos estéticos. Enquanto a ignorância vai impedir os colegas de distinguir o velho do novo – pois não se irão aperceber como, muitas vezes, aquilo que aparentemente lhes surje como novidade já foi, na realidade, criado anteriormente e até com uma qualidade francamente superior -, a educação contracorrente do filho da nossa colega vai atirá-lo, em princípio, para um patamar superior. Talvez nem tudo esteja perdido.

publicado por adignidadedadiferenca às 11:26 link do post
26 de Setembro de 2009

A política, que quis assumir-se como promotora de valores, ficou, apenas, ao nível da cidadania e do civismo, apregoando, hoje, como fonte de legitimação, o consenso que começa, todavia, a ser percebido como mera retórica.

 

Só uma educação, enquanto projecto em devir, pode ser verdadeiramente inovadora e dinâmica, preparando os educandos para uma melhor adaptação à complexidade do mundo actual, fazendo-os sair do pensamento massificante.

 

Prof. Cassiano Reimão em «Ética e Profissões - Desafios da Modernidade, Actas de Colóquio», Universidade Lusíada Editora

 

publicado por adignidadedadiferenca às 22:26 link do post
21 de Dezembro de 2008

É a primeira vez que o faço, mas o serviço que presta ao país é tão importante que me vejo na obrigação de publicitar a sua existência. Trata-se do magnífico blog De Rerum Natura da responsabilidade de Carlos Fiolhais (físico), Desidério Murcho (filósofo), Helena Damião (pedagoga), Jorge Buescu (matemático), Palmira F. Silva (química), Paulo Gama Mota e Sofia Araújo (biólogos).

Os seus autores, figuras conhecidas da cultura e do sistema educativo nacional, preocupam-se seriamente com o destino da nossa educação, criticam-na de forma objectiva, propondo soluções ou alternativas ao que está feito ou falta fazer, mas sempre com a preocupação de fundamentar e justificar as suas opiniões e pretensões.

Quase todos sabemos que a nossa sociedade do futebol e das telenovelas prefere alimentar-se da autêntica comida para porcos que nos oferecem, diariamente, quase todos os canais de televisão nacionais, recusando, por preguiça ou ignorância, um caldo de cultura que a prepare melhor para resistir e sobreviver perante as dificuldades que o mundo actual lhe coloca (desde que também haja atitude e força de vontade, evidentemente).

Felizmente nem todos somos assim e o blog parece resistir bem e ter uma afluência bastante meritória de visitantes. Eu já o sou há uns meses, mas, por negligência, só hoje me lembrei de o destacar como merece. Mais um caso para dizer: antes tarde que nunca.

 

 

CARLOS FIOLHAIS «ENGENHO LUSO E OUTRAS CRÓNICAS»

 

Aproveitando a boleia, convido-vos a ler o excelente livro de crónicas de Carlos Fiolhais – professor de Física na Universidade de Coimbra e director da Biblioteca da mesma Universidade - que acaba de sair sob a chancela da Gradiva. Para realçar a urgência da sua leitura basta-me transcrever o texto que acompanha o livro e que lhe serve de sinopse.

 

 

Este livro reúne as crónicas do autor publicadas no jornal Público sobre diversos temas da nossa actualidade ou da nossa história, mas muito em particular sobre educação e cultura. No prefácio, José Manuel Fernandes, director desse jornal, escreve:

«Físico, (...) tem os pés bem assentes na terra (...) e, sobretudo, é capaz de tornar simples o que está na fronteira da máxima complicação.

No entanto, quando o convidei para escrever regularmente no Público, não lhe pedi o que talvez fosse mais fácil: fazer uma crónica divertida sobre a evolução da disciplina que domina. Pedi-lhe apenas para ser ele, iconoclasta e imprevisível e com liberdade para escrever sobre o que bem entendesse.

Foi exactamente o que ele fez. Com dois brindes: primeiro, fosse qual fosse o tema que escolhesse, via-o sempre de uma perspectiva que é rara num mundo onde todos tendem a falar do mesmo e da mesma forma; depois, ao lê-lo aprendíamos sempre qualquer coisa, e quase nunca sobre física. O Carlos Fiolhais revelou-se, como cronista, uma espécie de homem do Renascimento, senhor de uma cultura enciclopédica que lhe permitia sempre associar o que parecia uma notícia ou um evento banal a um conceito, um acontecimento histórico, uma descoberta, uma história ou um personagem, o que nos deixava sempre mais ricos.»

 

Não preciso de dizer mais nada. Bem-vindos ao Renascimento!

 

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