a dignidade da diferença
26 de Dezembro de 2012

 

 

«Já referi a repulsa que Darwin sentia – e que era partilhada pelos seus contemporâneos – pelo exemplo da fêmea da vespa icneumonídea, que paralisa a presa com o seu ferrão sem a matar, mantendo assim a carne fresca para a larva que se desenvolve no interior da vítima. Recordar-se-á de que Darwin não conseguia aceitar que um criador benfazejo pudesse ter concebido esse comportamento. Mas com a seleção natural ao volante, tudo se torna claro, compreensível e com sentido. À seleção natural não importa o bem-estar. Porque deveria importar? Para algo acontecer na natureza, o único requisito é que o mesmo acontecimento, em tempos ancestrais, tenha contribuído para a sobrevivência dos genes que o promovem. A sobrevivência dos genes é uma explicação suficiente para a crueldade das vespas e para a indiferença empedernida da natureza: suficiente – e satisfatória para o intelecto se não para a compaixão humana.

 

 

Sim, há grandeza nesta visão da vida, e há até uma certa grandeza na indiferença serena da natureza ao sofrimento que decorre inexoravelmente do princípio orientador, a sobrevivência dos mais aptos. Os teólogos poderão estremecer com este eco de um estratagema habitual da teodiceia, onde o sofrimento é visto como uma inevitabilidade do livre-arbítrio. Os biólogos, por seu turno, perceberão que “inexoravelmente” não é de modo algum demasiado forte quando refletem – talvez segundo as linhas da minha reflexão sobre a “bandeira vermelha” do capítulo precedente – sobre a função biológica da capacidade de sofrer. Se os animais não sofrem, é porque alguém não está a trabalhar o suficiente na questão da sobrevivência dos genes. Os cientistas são humanos, e têm todo o direito de rejeitar a crueldade e de condenar o sofrimento. Mas os bons cientistas como Darwin reconhecem que as verdades do mundo real, por muito desagradáveis que sejam, têm de ser enfrentadas.»

O Espetáculo da Vida, de Richard Dawkins, tradução: Isabel Mafra

02 de Agosto de 2012

 

 

A história da evolução e da vida não obedece a qualquer ordem ou lógica de progresso. O homem não é o ser mais complexo nem o objeto supremo da criação; apesar do impacto e do peso inegável da sua presença no planeta, o aparecimento do homem foi provavelmente imprevisível e a sua evolução correspondeu a uma série de alterações casuais das circunstâncias e dos meios geográficos. Na realidade, a tese que defende a ideia de que o homem é o culminar de uma evolução que começa nos micro-organismos e se estende pelos invertebrados, peixes e mamíferos, encontra-se viciada pelo facto de ser aquela que gostamos de ouvir. É assim que pensa, pelo menos, o paleontólogo Stephen Jay Gould. O enfoque de Gould, no magnífico Full House, sustenta que a variação, a espontaneidade e a diversidade são a realidade de grau mais elevado da excelência (numa comparação deliciosa com o full house num jogo de póquer), utilizando, para o efeito, variadíssimos exemplos, análises e enigmas, como forma de concretizar a essência do seu entendimento segundo o qual se deve «encarar a origem do homo sapiens como um acontecimento fortuito, não passível de repetição, não podendo os seres humanos ocupar qualquer posição privilegiada no topo ou constituir o culminar de alguma coisa». No fundo, como o autor de resto já defendia no anterior A Vida é Bela, é bem provável que o ser humano só tenha aparecido por mero acaso. O livro, dezasseis anos depois, mantém todo o fascínio.

publicado por adignidadedadiferenca às 01:10 link do post
08 de Setembro de 2011

 

 

«Gostaria de alargar a consciência das pessoas quanto ao tremendo período de tempo que temos pela frente – para o nosso planeta e para a própria vida. A maior parte das pessoas instruídas tem consciência de que somos o resultado de quase quatro biliões de anos da selecção de Darwin, mas muitos têm tendência a pensar que somos de algum modo o culminar da evolução. O nosso Sol, porém, ainda não chegou a metade do seu período de vida. Não serão os humanos que verão a morte do Sol, daqui a seis biliões de anos. As criaturas que existirão nessa altura serão tão diferentes de nós como nós somos das bactérias ou das amibas.»

Martin Rees, astrónomo e professor de Cosmologia e Astrofísica (Cambridge).

12 de Outubro de 2008

Esta minha preocupação recente com a Teoria da Evolução de Charles Darwin tem que ver com a publicação de um óptimo artigo na edição de ontem do semanário Expresso sobre a superficialidade com que os programas do ensino básico e do secundário  estão a tratar a teoria evolucionista e que está a ser alvo de críticas condundentes por parte de um grupo de biólogos do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa.

Reagindo, pertinentemente, contra «a ameaça que se pressente pairar sobre o ensino do evolucionismo nas escolas portuguesas, ou seja, a pretensão dos criacionistas de introduzir nas aulas de ciências o ensino da criação a par da evolução».

Uma das investigadoras do CFCUL critica, como se pode ler nas páginas do jornal, a recomendação «para evitar o estudo pormenorizado das teorias evolucionistas» e admira-se com a ausência de capítulos essenciais para compreender a história da vida terrestre nos actuais programas de ensino, com são «a origem da vida e a evolução do Homem», quando, anteriormente, «estavam contemplados e eram abordados com alguma profundidade».

Sendo um notório disparate a pretensão de ensinar o criacionismo nos mesmos termos e condições do evolucionismo, uma vez que aquele pertence ao domínio da religião e não da ciência, a verdade é que, lentamente, a ameaça pode tornar-se real mesmo que num futuro longínquo - apesar do destaque que lhe tem sido dado ultimamente pela candidadata do partido republicano a vice-presidente. Sarah Palin é uma cristã evangélica adepta do ensino do criacionismo nas escolas em vez da Teoria da Evolução (mas aqui, segundo julgo perceber, já se trata de um caso evidente de demência).

Uma curiosidade que me ocorre: O que terão os amigos do projecto «Magalhães» a dizer sobre isto?

 

Curiosa e francamente interessante é a opinião do padre jesuíta e cientista Luís Archer. Considerando que «o criacionismo é uma tolice de todo o tamanho. Os criacionistas defendem que a vida na Terra e as espécies foram criadas por Deus, tal como é relatado na Bíblia, e não que evoluíram em resultado de um processo natural. (...) É um disparate as pessoas pensarem que a Bíblia é um livro de ciência. Deus não é necessário para explicar a origem da vida e do Homem».

Para que a situação não piore, termino com uma pequena sugestão. A magnífica introdução que Janet Browne, professora de História da Ciência na Universidadede Harvard, faz à obra e ao pensamento de Charles Darwin no livro – que acaba de ser publicado no nosso país pela Gradiva - «A Origem das Espécies de Charles Darwin».

 

Esta gravura foi acrescentada hoje, 2008-10-13, porque não a consegui colocar na devida altura.

publicado por adignidadedadiferenca às 21:24 link do post
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