a dignidade da diferença
30 de Junho de 2012

 

 

«Em suma, a necessidade prática de Estados fortes e governos intervencionistas é indiscutível. Mas ninguém está a ‘repensar’ o Estado. Continua a haver uma grande relutância em defender o setor público com base no interesse coletivo ou no princípio. É impressionante que numa série de eleições europeias a seguir a uma desintegração financeira os partidos sociais-democratas tenham tido invariavelmente maus resultados; apesar da derrocada do mercado, eles revelaram-se manifestamente incapazes de estar à altura da ocasião. Se quiser ser novamente levada a sério, a esquerda tem de encontrar uma voz. Há imenso com que estar zangado: desigualdades crescentes de riqueza e oportunidade; injustiças de classe e casta; exploração económica interna e no estrangeiro; corrupção, dinheiro e privilégio a obstruírem as artérias da democracia. Mas já não bastará identificar os defeitos do ‘sistema’ e bater em retirada, ao género de Pilatos: indiferente às consequências. O exibicionismo retórico irresponsável das décadas passadas não foi muito útil à esquerda. (…) Toda a mudança é perturbadora. Vimos que o espectro do terrorismo é suficiente para lançar na desordem democracias estáveis. A mudança climática irá ter consequências ainda mais dramáticas. Muitas pessoas voltarão a depender dos recursos do Estado. Quererão que os seus líderes e representantes políticos os protejam: uma vez mais as sociedades abertas serão pressionadas a fechar-se sobre si, sacrificando a liberdade pela ‘segurança’. A escolha já não será entre Estado e mercado, mas entre dois tipos de Estado. Cabe-nos portanto reimaginar o papel do governo. Se não o fizermos, outros o farão por nós.»

Tony Judt, Um Tratado Sobre os Nossos Atuais Descontentamentos

 

19 de Junho de 2012

 

O Cavalo de Turim ou, segundo Béla Tarr, «O insustentável peso do ser».

 

O protagonismo dos planos-sequência na descrição da humilhante degradação do dia-a-dia.

 

A expressividade da fotografia a preto-e-branco, reflexo notável do pessimismo do seu autor.

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:25 link do post
16 de Junho de 2012

 

 

«Há no mundo, e mesmo no mundo dos artistas, pessoas que vão ao Museu do Louvre e passam rapidamente, e sem lhes dispensar um olhar, diante de uma imensidade de quadros muito interessantes ainda que de segunda ordem, mas que depois se postam sonhadoramente diante de um Ticiano ou der um Rafael, um desses que a gravura mais popularizou; então, saem satisfeitas, e há algumas que dizem: "Eu cá conheço o meu museu." Existem também aqueles que, tendo lido em tempos Bossuet e Racine, se julgam senhores da história da literatura. Felizmente, surgem de tempos a tempos justiceiros, críticos, amadores, curiosos que afirmam que não está tudo em Rafael, que não está tudo em Racine, que os poetæ minores têm algo de bom, de sólido e delicioso; e, enfim, que, por tanto se amar a beleza geral, que é expressa pelos poetas e artistas plásticos, não deixa de ser um erro não ligar à beleza particular, à beleza de circunstância e à marca dos costumes. Devo dizer que o mundo, há vários anos, se corrigiu um pouco. O valor que os amadores atribuem hoje às amabilidades gravadas e coloridas do século passado prova que se deu uma reação no sentido do que o público precisava; Debucourt, os Saint-Aubin e muitos outros entraram no dicionário dos artistas dignos de estudo. Mas esses representam o passado; ora, é à pintura dos costumes do presente que me quero dedicar hoje. O passado é interessante não apenas pela beleza que dele souberam extrair os artistas para quem ele era o presente, mas também como passado, pelo seu valor histórico. O mesmo se passa com o presente. O prazer que retiramos da representação do presente provém, não só da beleza de que pode revestir-se, mas ainda da sua qualidade essencial de presente.»

A Invenção da Modernidade, tradução de Pedro Tamen

10 de Junho de 2012

 

 

A obra extensa de J. S. Bach abrange praticamente todas as formas musicais em voga na sua época, talvez com a única exceção da ópera. E entre a sua música instrumental mais significativa, contam-se, como melhores e mais notórios exemplos, as Suites Francesas, as Sinfonias ou o Concerto Italiano. Paradigma da exuberância criativa do seu autor, as referidas composições são o reflexo exato da riqueza cromática e da preciosa ornamentação estilística que caracterizaram o que de melhor teve o período barroco. Gustav Leonhardt, na qualidade de cravista, cortou-lhe os excessos, num gesto certeiro de depuração e concisão estética, e traçou-lhes a bissetriz perfeita, a qual, paradoxalmente, em vez de os separar, conseguiu aproximar o mundo antigo do contemporâneo (o dele; não esqueçamos que a última gravação é de 1980). Fê-lo admiravelmente, combinando a arte do contraponto e a clareza do seu pensamento com a transparência estrutural e harmónica das peças musicais, realçando ainda a arquitetura das formas, fundindo as características francesas, italianas e alemãs num registo simultaneamente introspetivo e metafísico sem perder de vista um contagiante efeito de celebração musical. Uma antologia que nos devolve a inesgotável riqueza do admirável mundo antigo.

 

Excerto do filme Crónica de Anna Magdalena Bach, de Jean-Marie Straub e Danièle Huillet

05 de Junho de 2012

 

 

Pensamentos, de Oscar Wilde, cuja relativamente recente edição (novembro de 2011) é da responsabilidade da Relógio D’Água, reúne, num só livro, um conjunto de ideias, observações ou comentários do genial escritor, muitos deles revelados pelas personagens das suas obras de ficção. Uma série de pensamentos escritos sobre os mais variados temas, retirados dos seus ensaios, romances, peças de teatro, cartas ou artigos: arte, crítica, religião, política, história, sociedade, natureza humana ou moral. Em suma, uma coleção de pequenos fragmentos, escritos numa linguagem ornamentada e com assinalável elegância, os quais, ainda hoje, surpreendem pelas suas contradições, criatividade, frontalidade ou provocação. Do que vos disse, fica aqui um exemplo bem ilustrativo: «A Crítica é a exteriorização da alma: mais fascinante que a História, pois ocupa-se exclusivamente de si própria, mais deliciosa que a Filosofia, pois o seu objeto é concreto e não abstrato, real, não vago. É a única forma civilizada da autobiografia, pois não se preocupa com os acontecimentos, mas com os pensamentos; não com os acidentes físicos de ação ou modalidade, mas com os estados espirituais da alma e paixões da imaginação».

 

publicado por adignidadedadiferenca às 20:51 link do post
02 de Junho de 2012

 

 

They Live, realizado em 1988, é uma das obras mais amarguradas e pessoais do seu autor, o maverick John Carpenter. Aproveitando uma história onde extraterrestres se escondem atrás de máscaras humanas, dominando a América através de mensagens subliminares que só poderão ser detetadas por meio de óculos especialmente fabricados para o efeito, Carpenter testemunha e denuncia a standardização comercial e a uniformização de pensamento, a estupidez de quem se resigna com o consumo banal de fórmulas pré-fabricadas, e confronta-se com o conservadorismo e a apatia excessivos, revelando a tensão e o medo de uma realidade filmada a preto e branco. Fá-lo de uma forma portentosamente eficaz, explorando ao máximo o mínimo de recursos disponíveis, num exemplo maior de frontalidade e integridade artística, de economia narrativa na apresentação da história e das personagens, do modo como usa o espaço (o subterrâneo, sobretudo), os movimentos de câmara ou a montagem. Filme sombrio e independente, crítico feroz da América como modelo de um capitalismo selvagem, radical e detestável, They Live, cada vez mais atual - e está aí a passagem do tempo para o confirmar - é um dos grandes filmes políticos da história do cinema, um intenso libelo pela defesa da liberdade.

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 12:41 link do post
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