a dignidade da diferença
26 de Maio de 2012

 

 

Após ter colocado o conceito de inteligência emocional na ordem do dia, revelando a sua importância e o seu sentido no magnífico O Erro de Descartes, António Damásio, distinto e premiado neurologista, regressa, com O Sentimento de Si, ao estudo da emoção e do sentimento, amplia o seu conhecimento, caracteriza as suas funções, os mecanismos, e estabelece um novo paradigma para a sua representação. Mas o livro vai muito mais longe pois Damásio não se fica por aqui; à luz de uma perspetiva neurobiológica, investiga e aprofunda a consciência humana como fenómeno absolutamente pessoal e distinto da mente, e combina-o com a construção cerebral de padrões mentais para um determinado objeto relacionada com o sentido do si no ato do seu conhecimento. Reflete, em suma, sobre a finalidade da consciência, busca-lhe o significado, esclarece as consequências que traz para o relacionamento humano e avalia os seus méritos e limites. Se os temas que o autor traz à colação já merecem, por si só, ser destacados, mais assinalável é conseguir fazê-lo numa linguagem tecnicamente precisa e intuitivamente poética. Uma obra admirável, de partilha e responsabilidade mútua entre o autor e o seu leitor - nesse sentido, um livro de Damásio tem sempre uma natureza sinalagmática -,  que pode ser lida, agora, em paralelo com o mais recente e igualmente notável Poeira da Alma, de Nicholas Humphrey.

20 de Maio de 2012

 

 

Não me choca que tenha sido atenuada a medida de coação aplicada a Duarte Lima, substituindo-se a prisão preventiva por outra medida de coação menos grave (como é o caso da obrigação de permanência na habitação, prevista no art.º 201.º do Código de Processo Penal). Importa não esquecer que o Código de Processo Penal, no n.º 3 do seu art.º 212.º, prevê essa situação quando se verifica uma alteração das circunstâncias que determinaram a aplicação inicial da medida cautelar. E a colaboração com a justiça parece claramente enquadrar-se nessa previsão. As minhas dúvidas prendem-se é com as razões que justificaram a mudança de comportamento de Duarte Lima. Não me parece haver aqui um interesse genuíno em colaborar com a justiça ou uma manifestação sincera de quaisquer sinais de arrependimento. Suspeito bem que na sua cabeça tudo não passará de mera manobra tática. A seu tempo veremos...

 

publicado por adignidadedadiferenca às 11:55 link do post
19 de Maio de 2012

 

 

Impossível resistir ao ritmo desta ficção imensa, tão viva, rica e imprevisível, à destreza da sua linguagem, ao filão inesgotável de ideias e ao delicioso e comovedor cruzamento de personagens arrebatadoras. Obra perene de Saul Bellow, autor maior, que, num rasgo de génio (entre tantos outros), a sintetizou admiravelmente nesta meia dúzia de linhas: «Humboldt, aquele homem grandiloquente, imprevisível e atraente, de rosto largo e alourado, aquele homem encantador e desenvolto, profundamente inquieto e a quem eu me sentia tão ligado, viveu com paixão, até ao fim, o problema do Êxito. Como é natural, morreu no Fracasso. Que outra consequência pode resultar de escrever esses substantivos com maiúsculas?»

 

19 de Maio de 2012

 

 

Virtuosismo, invenção rítmica e melódica, emoção pura. Um quinteto tradicional de bluegrass percorre territórios estéticos já desbravados e géneros musicais diversos e antagónicos, pulveriza-os e, ignorando uma série de conceitos adquiridos, cria, ao reunir partículas soltas de  pop, rock, folk, jazz, minimalismo e música clássica, um novo corpo musical espantoso, sofisticado, inclassificável e agitador. Uma demonstração arrebatadora de erudição musical e destreza técnica ao serviço da mais pura expressão artística, como só acontece nos melhores momentos, pronta a ser escutada por ouvidos tão incrédulos e necessitados de prazeres auditivos como este. Disco do ano? Já estamos em maio e ainda não sei de melhor… 

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 13:47 link do post
14 de Maio de 2012

«Não é um livro que pretenda ser perfeitamente equidistante de ambos os lados. Eu vivi durante vários anos sob a ditadura de Franco, pelo que não posso desconhecer a repressão sobre os trabalhadores e os estudantes, a censura e as prisões. Apesar do que é reivindicado pelos apoiantes de Franco, não creio que Espanha tenha retirado qualquer benefício do pronunciamento militar de 1936 e da vitória nacionalista em 1939. Os muitos anos que dediquei ao estudo da Espanha anterior e contemporânea à década de 30 do século XX convenceram-me de que, apesar dos muitos erros cometidos, a República espanhola foi uma tentativa para proporcionar uma melhor forma de vida aos membros mais humildes de uma sociedade repressiva. É neste sentido que aqui deixo expressa a minha muito pouca simpatia pela direita espanhola, mas penso que serei compreendido.»

 

 

Paul Preston, professor de História Espanhola Contemporânea na Universidade Príncipe das Astúrias, diretor do Cañada Blanch Centre for Contemporary Spanish Studies da London School of Economics e membro da Academia Britânica, é autor, entre outras, das seguintes obras: The Coming of the Spanish War, The Triumph of Democracy in Spain, The Politics of Revenge: Fascism and the Military in Twentieth-Century Spain e Franco: A Biography.

12 de Maio de 2012

 

Madre Superiora (1939)

 

Tamara de Lempicka (1898-1980), natural de Varsóvia, criou uma obra caracterizada por uma significativa liberdade e ambiguidade estética. O seu trabalho marcou uma época, influenciou a pintura moderna e, desdobrando-se numa série de estilos mais ou menos próximos entre si, evoluiu naturalmente duma ingenuidade inicial – um começo aparentemente vanguardista, promissor, mas ainda algo tímido e inseguro – para formas arquitetónicas mais oblíquas, cuja matriz revela um traço seguramente mais complexo, transgressor, detalhado e sombrio. Ficam aqui alguns exemplos dessa evolução estética personalizada e perversamente contagiante. Elegantes e geométricas variações quase sempre muito conseguidas de Art Déco, do cubismo, pós-cubismo, surrealismo, expressionismo ou abstracionismo. Um percurso artístico dominado por um espírito ousado e transgressor que se confundiu amiúde com a sua própria vida, tão abastada quanto exposta em demasia.

 

A Bela Rafaela (1927)

 

Mulher Adormecida (1935)

 

Retrato do Príncipe Eristoff (1925)

 

publicado por adignidadedadiferenca às 14:27 link do post
06 de Maio de 2012

Wozzeck (1951), Alban Berg/Dimitri Mitropoulos

 

 

Wozzeck, do compositor Alban Berg, é uma ópera em três atos, cada um dividido em cinco cenas, na qual o seu autor procurou uma forma concisa de comunicação entre a música e o drama, dando ênfase a uma ideia de ópera que, como o próprio diria, «transcende, e muito, o destino individual de Wozzeck». Mas se Berg não queria que o público reparasse, durante a representação, na estrutura musical da peça, «as várias fugas e invenções, suítes e movimentos de sonata, variações e passacaglias (forma musical com origem em danças de ritmo ternário, que se constrói a partir de um baixo ostinato)», é difícil, porém, esquecer a complexa e audaciosa matriz musical da obra. Se por um lado, Wozzeck talvez não seja uma representação imaculada do homem comum, por outro, é evidente a força e o potencial da sua linguagem estética, a subtileza das sugestões musicais, a intensidade, o cromatismo e a profundidade dramática, ou a invenção artística e orquestral. Com o contributo de um conjunto de cantores excecional, Dimitri Mitropoulos, com um rigor e uma atenção ao detalhe assinaláveis e a utilização adequada de uma gama inesgotável de recursos estilísticos e expressivos, amplia o efeito avassalador de uma música prodigiosa, simultaneamente dissonante, lírica e atonal. Uma gravação histórica que se tornou um verdadeiro clássico do género.

 

 

01 de Maio de 2012

 

 

Retrato da viagem que Henry Miller fez à Grécia a convite de Lawrence Durrell, O Colosso de Maroussi, publicado em 1941, é uma prodigiosa coleção de pequenas histórias vividas pelo seu autor. Uma linguagem vibrante e fascinante onde se cruzam as emoções sentidas por Miller, entre o encantamento e o entusiamo próprios de quem acaba de mergulhar num momento transcendente e essencial. Uma viagem ao coração da pátria dos deuses - para a qual contribuiu decisivamente Betty Ryan, com quem Miller partilhou casa em Paris, ao transmitir-lhe a sua verdadeira atmosfera -, que nos conduz ao seu espaço físico, às suas personagens e aos seus contrastes, onde Henry Miller procura uma correspondência entre passado e presente (entre a luminosidade anterior e o progresso cómodo mas frio), cuja escrita inconformista – ampla e justificadamente hiperbólica - mistura estados de alma tão contraditórios ou complementares como introspeção, narrativa, reflexão, adoração ou paixão. Um manjar rico e inesgotável, digno de verdadeiros deuses. Uma obra que respira uma sensualidade muito mais atrativa, por exemplo, que o famoso erotismo de Sexus, Nexus e Plexus. Como escreve Carlos Vaz Marques, no prefácio, «Se ao ler este livro o leitor não sentir nem por um instante o irreprimível impulso de embarcar de imediato a caminho da Grécia, isso só pode significar que é alguém imune ao sortilégio das palavras, alguém para quem a literatura de nada serve».

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