a dignidade da diferença
27 de Novembro de 2011

 

 

Após a edição portuguesa dos notáveis Fome e Pan, de cuja relevância literária já aqui falámos, a obra de Knut Hamsun - Victoria, no caso presente - teve direito a mais uma publicação nacional cuja responsabilidade esteve mais uma vez a cargo da editora Cavalo de Ferro. As preocupações narrativas do genial escritor norueguês estão, neste livro, bem distantes do universo angustiante, alucinado, solitário e de obsessiva vagabundagem atravessado pelo protagonista de Fome, mas, em contrapartida, apesar de nem sempre serem convergentes as coordenadas estéticas, aproximam-se onsideravelmente do denso retrato psicológico das personagens de Victoria e das suas trágicas paixões. Knut Hamsun, numa linguagem que nos desarma pela simplicidade assumida configurando imagens de grande beleza narrativa, aprofunda, numa história banal e de contornos facilmente reconhecíveis, a tragédia e a obsessão do amor impossível que consome Johannes e Victoria, transformando milagrosamente um aparentemente banal conto de fadas numa divagação assombrosa por retratos subjectivos de grande rigor e intensidade psicológica numa relação fremente com a natureza que os envolve. Uma obra admirável que fará em absoluto parte do balanço final de 2011.

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23 de Novembro de 2011

 

 

«William Butler Yeats era, exclusivamente, um poeta que escreveu em sintonia com a dinâmica transformadora do seu tempo, mas por caminhos de incontestável originalidade, fundando um estilo dramático de enorme teor musical e conduzindo a poesia para uma zona iluminada de reflexão, onde os universos religioso, político, afectivo e filosófico surgem transfigurados pela magia da palavra, como simples elementos constituintes da perturbadora alquimia do ser.»

Laureano Silveira

 

The Choice

 

The intellect of man is forced to choose

Perfection of the life, or of the work,

And if it take the second must refuse

A heavenly mansion, raging in the dark.

 

When all that story’s finished, what’s the news?

In luck or out the toil has left its mark:

That old perplexity an empty purse,

Or the day’s vanity, the night’s remorse.

 

 

A Escolha


O intelecto do homem é forçado a escolher

A perfeição da vida, ou do trabalho

E se escolhe a segunda tem de recusar

Uma mansão celeste, enfurecendo-se em segredo.


Quando tudo acabar, o que haverá de novo?

Com sorte ou sem ela a labuta deixou as suas marcas:

Essa velha perplexidade é a bolsa vazia,

Ou a vaidade do dia, o remorso da noite.

(Tradução: Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira)

 

21 de Novembro de 2011

 

O outono quente do Dragão...
 

A crescente complexidade do funcionamento do capitalismo financeiro, agudizada pela preocupante demonstração de incapacidade humana para compreender todas as fases do seu processamento e adoptar uma estratégia para ultrapassar as suas gravíssimas consequências, levou ao completo desnorte dos mercados financeiros e abriu brechas profundas na estrutura económica e política a nível mundial. E enquanto isso acontece, a União Europeia, amarrada à sua política económica e monetária, ainda procura perceber até que ponto os efeitos da globalização - a progressão económica de países emergentes como o Brasil, a China ou a Índia (resta saber se acompanhada por uma melhoria concreta das condições de vida da sua população), a qual obriga a um reequilíbrio estrutural que tornará inevitavelmente mais pobre o futuro dos países ocidentais e mais precário o seu modelo social democrático – farão diminuir a influência, a todos os níveis, do velho continente e empobrecer a sua população. A preocupação perante o esgotamento e os abusos da democracia representativa é geral, a revolta perante as medidas de austeridade começa a dar sinais visíveis nalguns países – com a Grécia à cabeça -, mas até à data Portugal mantém-se como uma honrosa excepção. Como diria o Sr. Kröger, aqui só há gente boa. Gente boa, o caraças! Aguentamos civilizadamente o corte nos salários, o aumento do desemprego, a irresponsabilidade política e criminal, o estado calamitoso da Justiça; até o desaparecimento dos subsídios de férias e de natal. Mas perder um jogo de futebol com a Académica é que não pode ser. Aí temos que dizer basta! Suportamos o neoliberalismo do Pedro Steps Rabbit e a folha de cálculo do Sr. Gaspar. O Vítor Pereira, não! Como sempre, aí estamos nós na vanguarda da contestação social…

13 de Novembro de 2011

 

 

Laura Marling é, com apenas 21 anos de idade, uma das mais expressivas e talentosas songwriters da actualidade. Umbilicalmente ligada à cena nu-folk londrina – seja lá o que isso for –, Laura Marling possui, desde já, um domínio perfeito da estética folk, cuja formação musical se desenvolveu, segundo a própria, através da escuta persistente das colecções de discos que os pais detinham. Herdeira da melhor tradição folk dos anos 60 e 70 do século passado e sobretudo do génio emocional transcendental de Judde Sill e de Leonard Cohen, filtrado por micro-explosões eléctricas que, em regime de usufruto simultâneo, coabitam com suaves melodias de feição acústica esventradas pelo cinismo e pela mordacidade dos seus (quase todos) magníficos textos, Laura Marling confirma, depois do anterior e igualmente notável I Speak Because I Can, um talento precoce que constrói um dos mais pessoais, emocionais, inventivos e intensos percursos musicais da actualidade, assente no entendimento correcto do uso que deve dar à sua voz como elemento adaptável às necessidades básicas da canção, acompanhado pelas enxutas, certeiras, maleáveis, tensas e sujas orquestrações instrumentais que dedicam uma especial atenção ao espaço, ao volume e à tonalidade. Um talento precoce que contribui para a consagração merecida daquele que, como vimos sublinhando há vários meses, deverá consagrar-se como o ano musical das mulheres, na medida em que ainda temos para acrescentar o regresso de St. Vincent, a dose dupla de June Tabor (desta vez com a Oyster Band, num registo folk-rock que perdeu o acento tónico que Freedom and Rain pôs no punk mas é igualmente brilhante) e o novo trabalho da magnífica Shara Worden (My Brightest Diamond).

 

publicado por adignidadedadiferenca às 00:50 link do post
10 de Novembro de 2011

 

 

«Embora existam razões para pensar que matar um ser consciente de si geralmente é pior do que matar outro tipo de ser, a maior parte dessas razões é favorável, e não adversa, à eutanásia, especialmente no caso da eutanásia voluntária. Ainda que este resultado possa parecer surpreendente à primeira vista, na verdade limita-se a reflectir o facto de que aquilo que os seres conscientes de si têm de especial é o facto de poderem saber que existem ao longo do tempo e que, caso não morram, continuarão a existir. Geralmente esta continuação da existência é intensamente desejada. No entanto, quando a existência futura expectável deixa de ser desejada, o desejo de morrer pode ocupar o lugar do desejo normal de viver, invertendo as razões para não matar que se baseiam no desejo de viver. Deste modo, pode-se sustentar que a defesa da eutanásia voluntária é muito mais forte do que a defesa da eutanásia não voluntária.»

Peter Singer in Escritos Sobre Uma Vida Ética, Publicações Dom Quixote. Tradução de Pedro Galvão, Maria Teresa Castanheira e Diogo Fernandes.

06 de Novembro de 2011

Carlos Paredes: Verdes Anos

 

 

Na sua exigente demonstração de virtuosismo ao serviço da substância musical, Carlos Paredes identificou, na profundidade das cordas de aço da sua guitarra portuguesa, o dramatismo, a distância e a alma do nosso pequeno país. As variações, dedilhadas num diálogo portentoso com o cúmplice Fernando Alvim – autor surpreendente do recente e notável Os Fados e as Canções do Alvim -, revelam os magníficos desenhos melódicos perfeitamente encaixados nas densas e originais estruturas harmónicas. Deixamos aqui este Verdes Anos, peça fundamental que integra o arco de preciosas improvisações que dão corpo ao sublime Guitarra Portuguesa, cujas gravações datam de 1967. Raros tiveram esta capacidade transcendente para deslocar musicalmente o eixo de Portugal e colocá-lo, por uma vez, bem no centro do universo.

 

 

02 de Novembro de 2011

 

Claude Monet, La Grenouillère (1869) 

 

«No Verão de 1869, Monet e Renoir pintam em Bougival, um desses destinos de excursão, e o tema comum é La Grenouillère. Num ângulo quase idêntico – Renoir estava por certo à direita de Monet, um pouco mais próximo da água – os dois pintores dão a sua versão da actividade que reina na “Jarra de Flores”, como era chamada a pequena ilha com a sua árvore ao centro. Observa-se, por comparação, que ambos tentaram ser exactos, o que sublinha, precisamente, as suas diferenças técnicas. Monet compõe o seu quadro com traços claros, horizontais e coloca pontos de luz vívidos. O seu pincel é enérgico enquanto Renoir aplica a cor de forma delicada e ligeira. Embora aqui as cores de Monet sejam escassas e frias, a paleta de Renoir é mais suave e a adição de vermelhos aquece-a. Monet já não demonstra interesse pelo vestuário, as suas personagens são simples traços suaves. Renoir, pelo contrário, transforma a textura dos tecidos listrados pelo sol e regista os pormenores da moda. Enquanto a sua versão, composta à volta do centro do quadro, cria uma atmosfera aveludada, a de Monet, com as suas sombras repartidas uniformemente e os seus traços brancos nas extremidades da tela, faz nascer uma imagem tridimensional cujo dinamismo percorre toda a superfície. Esta tensão que se difunde para as margens é uma constante nas composições de Monet.»

Christoph Heinrich, in Claude Monet, Taschen, tradução: Jorge Manuel Pinheiro Valente.

 

Pierre-Auguste Renoir, La Grenouillère (1869)

 

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