a dignidade da diferença
26 de Março de 2011

 

Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades (1971), José Mário Branco

 

 

No momento em que uma geração genericamente mal preparada para enfrentar os desafios laborais e sociais decide, no meio das ainda assim legítimas aspirações e dos inevitáveis protestos, abraçar a ligeireza e a vulgaridade dos Deolinda e de Os Homens da Luta, não há nada como revisitar os autores genuínos, isto é, aqueles que, de facto, quebraram as regras estabelecidas até então, foram inventivos, pioneiros, ousados e resistentes, deixando-nos uma fabulosa herança musical. Acima de todos estiveram, como hoje pacificamente já se reconhece, José Mário Branco, José Afonso e Sérgio Godinho. O disco que vos trago à memória é do primeiro e chama-se Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades. Em 1971, José Mário Branco inicia, com Cantigas do Maio e Os Sobreviventes, de José Afonso e Sérgio Godinho, respectivamente, uma fase superior da canção popular. Para trás ficavam as baladas monocórdicas e rudimentares, instantaneamente envelhecidas no confronto com uma música nova, onde se explora e se dá uma importância fundamental às ferramentas do som. As palavras mordazes e irónicas sobre o medo, a opressão, a guerra, a resistência, o exílio, a ditadura, envolvem-se num grafismo sonoro prodigioso que consiste numa fusão natural da música erudita com o jazz, na exploração timbríca e harmónica das guitarras eléctricas, dos baixos sinuosos, da expressividade vocal, criando uma atmosfera densa e sombria, aqui e ali metálica, que se reflecte numa construção musical riquíssima em tonalidades onde cabe um pouco de tanta coisa: as canções heróicas de Lopes Graça, o minimalismo, a tradição popular, os poemas do genial O’ Neill ou de Natália Correia, a chanson française ou o aroma tropical sul-americano. Fica como exemplo maior deste corpo iluminado a previsão do que aí vinha na lucidez extrema de «quanto a nós/nós cantores da palidez/nosso canto nunca fez/filhos sãos a uma mulher/nem sequer/passa mel nos nossos ramos/pois a abelha que cantamos/será mosca até morrer». Um disco perfeito.

 

 

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