a dignidade da diferença
28 de Abril de 2009

 

Alpha «Come From Heaven»

 

 

 

Tapetes orquestrais de celofane onde vão desaguar as magníficas vozes de Wendy Stubbs, Martin Barnard e Helen White escrevem a história da música na era do «sampling» e convivem de forma natural com a poesia de Sylvia Plath, com as melodias de rebuçado de Burt Bacharach e com a canção clássica e romântica da época de Cole Porter ou George Gershwin.

É verdade que os Alpha seguiram um rumo sonoro algo decepcionante e nunca mais assinaram um disco como Come From Heaven, sendo, merecidamente, votados ao mais puro esquecimento; mas este belíssimo e emocionante conjunto de crepusculares prelúdios musicais e exuberantes canções de fim de século, com uma aparência vagamente pálida, persistentemente rítmica, e com um odor enebriante  e silencioso, merece o seu lugar reservado na enciclopédia da música.

Se, para que tal acontecesse, outra razão não houvesse, bastava escutar a assombrosa e arrebatadora interpretação de Martin Barnard em Sometime Later, sublime canção que, durante sete curtos minutos, convoca os espíritos de Tim e Jeff Buckley, a matéria musical de Chet Baker e o majestoso sinfonismo de Scott Walker. É esta a canção que deixo à mercê do vosso julgamento.

 

 

Alpha, Sometime Later

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:48 link do post
26 de Abril de 2009

 

 

Aproveitando a passagem pelo nosso país da magnífica Orquestra Sinfónica Juvenil Simón Bolívar que actuou na noite do passado dia 25 de Abril no Coliseu dos Recreios, eis uma excelente oportunidade para aconselhar todos os que visitam este blog - e apreciam música erudita – a ver ou rever o soberbo documentário da autoria de Enrique Sánchez Lansch, editado em DVD no ano transacto pela Unitel Classica e intitulado The Promise Of Music.

O autor conta-nos a impressionante e quase irreal história do nascimento e do crescimento de uma espantosa orquestra de jovens músicos num país cheio de problemas sociais como é o caso da Venezuela.

Servindo-se do relato e expondo o retrato dos próprios músicos, ficamos a saber como este projecto musical acaba por ter uma importante função social ao tirar crianças da rua, afastando-as muito cedo do mundo da pobreza, da delinquência e da violência, transformando-as em jovens músicos cheios de talento, com motivação para ensaiar e amadurecer musicalmente. Nada disto seria possível, obviamente, sem uma rigorosa política cultural - nem tudo é mau na Venezuela, como se prova com este exemplo – e, sobretudo, sem a participação activa e a direcção musical do sublime maestro Gustavo Dudamel, também ele aproveitado e trabalho ao pormenor até se tornar um dos mais expressivos e brilhantes directores de orquestra da actualidade.

Como bónus, o DVD oferece uma sublime interpretação da Eroica, a genial 3.ª Sinfonia de Beethoven. Assistimos, deslumbrados, a uma rigorosa e detalhada exploração sonora, estruturada através de uma visão arquitectónica da música, edificada com mão de mestre, e profundamente contagiante e harmoniosa.

Acabadinha de chegar, também se aconselha a audição da novíssima gravação de Dudamel e da sua orquestra, onde interpretam de forma magnífica a 5.ª Sinfonia e Francesca da Rimini de Tchaikovsky.

Um notável repasto musical e um verdadeiro manifesto cultural.

 

3.ª Sinfonia "Eroica", Beethoven

publicado por adignidadedadiferenca às 01:43 link do post
22 de Abril de 2009

 

 

E regresso, uma vez mais, à nova série que criei há dias: «o cancioneiro popular americano». Hoje venho deixar umas breves notas sobre o lendário Charlie Patton, autor e intérprete essencial da primeira metade do século XX e um dos maiores responsáveis pela fusão da música folk da época com o blues.

Se é verdade que fez as suas primeiras gravações numa idade já avançada (depois dos 40 anos), tal facto acabou por funcionar a seu favor; o legado que nos deixou revela, por essa razão, uma maturidade musical e estética impressionante que não só influenciou outros criadores fundamentais – assim, de jorro, posso citar Son House, Muddy Waters, Howlin’Wolf e o genial Robert Johnson – que se tornaram o reflexo do seu talento emocional e magoado, como serviu para fazer o uso adequado de uma voz rude mas bastante expressiva que acompanha a urgência que se faz sentir em cada nota que sai das cordas da sua guitarra.

Um músico enorme e absolutamente notável que deixou a sua assinatura nos momentos mais marcantes da história do blues do Delta.

 

Discografia essencial: King of the Delta Blues (de lamentar apenas a má qualidade da gravação).

 

Revenue man blues

publicado por adignidadedadiferenca às 21:17 link do post
19 de Abril de 2009

 

Robert Wyatt - Rock Bottom (1974)

 

 

 

 

Robert Wyatt, baterista e um dos fundadores dos Soft Machine – uma das raríssimas bandas de rock progressivo que, ainda hoje, merecem ser escutadas -, criou, depois de ter abandonado a banda logo que terminaram a gravação do seu quarto volume e após um terrível acidente ocorrido numa festa que foi provocado por uma queda do quarto andar – deixando-o com paralisia dos membros inferiores -, um dos mais impressionantes, dolorosos, irónicos e iluminados discos de toda a história da música popular.

Rock Bottom começa com Sea Song, uma canção metafísica em estado de graça que penetra na mágoa mais profunda. Ouvem-se dispersas notas de piano levadas pelo vento em desalinho com micro-percussões fantasmas e estruturadas em melodias à deriva alimentadas, simultaneamente, por uma angústia e luminosidade profundas. Last Straw e  Little Red Riding Hood Hit the Road ampliam o estado de letargia inicial conduzido por um sopro radiante e interior que devolve, literalmente, estas canções submersas à luz do dia.

Alifib e Alifie formam uma das mais arrepiantes e alucinantes sequências musicais que tivemos oportunidade de ouvir. Música e voz erguem-se dos escombros e articulam-se numa geometria de loucura, onde nada resta senão uma respiração negra e abissal que dissolve toda a atmosfera em redor num murmúrio dilacerante à beira do abismo.

E este monumento sonoro termina com Little Red Robin Hood Hit the Road, canção de redenção onde a voz cava e profunda de Ivon Cutler paira sobre uma concertina demente e acaba com uma insuportável angústia num riso alucinado e cruel.

Pouco mais fica por dizer desta obra genial que, num momento supremo e irrepetível, junta - em simultâneo ou separadamente – pedaços de jazz e blocos de gelo numa harmonia impossível com parcos esboços sinfónicos afundados numa cortante brisa de música de câmara.

Uma gravação genial que, ainda hoje, soa a pop futurista e de vanguarda. Resta acrescentar que o seu autor continua, de forma insistente e inventiva, a seguir um caminho único e personalizado na história da música contemporânea oferecendo-nos obras marcantes como Ruth is Stranger Than Richard, Shleep, Cuckooland ou o último e magnífico Comicopera.

 

 

 Little Red Riding Hood Hit the Road

publicado por adignidadedadiferenca às 20:35 link do post
15 de Abril de 2009

 

E eis que chegou, finalmente, uma boa notícia para todos aqueles que amam o cinema do genial realizador espanhol, com a distribuição e edição nacional – numa caixa exclusiva da Fnac - de quatro dos seus filmes mais famosos: Los Olvidados, Susana Demonio Y Carne, Abismos de Pásion e Viridiana.

Luis Buñuel nasceu em Calanda, na província de Teruel no dia 22 de Fevereiro de 1900. Alguns dados marcantes para o crescimento da sua personalidade foram, inegavelmente, a sua associação com Lorca e Salvador Dali ao movimento ultraista, o facto de ter perdido a fé católica (aos 15 anos) quando terminou o liceu e a visão do filme Der Müde Tod do cineasta alemão Fritz Lang, obra que o impressionou profundamente e lhe fez crescer a vontade de se tornar realizador de cinema.

Igualmente importantes no seu trajecto foram a sua participação no teatro – onde se iniciou numa peça de Garcia Lorca – e a adesão, em 1928, ao movimento surrealista.

A sua entrada no mundo do cinema chegou  no ano seguinte quando concluiu, com dinheiro emprestado e baseando-se num argumento de Dali, o célebre Un Chien Andalou, considerado por muitos como o primeiro filme verdadeiramente surrealista. Com L’Âge d’Or, que estreia em 1930, consegue o seu primeiro escândalo  e outro feito notável: o de ter criado um filme que foi vítima de uma das mais prolongadas e lendárias censuras da história do cinema; entre 1930 e 1981 o filme só teve direito a exibições privadas. Estava lançado o mito e reforçada a sua reputação.

Após breves passagens pela América e por França (onde se casou), Buñuel viveu entre 1935 e 1946 um dos períodos mais obscuros e, obviamente, desconhecidos da sua longa carreira. Esse apagamento só chegou ao fim com a realização de Gran Casino (um filme musical e, simultaneamente, de aventuras), iniciando, deste modo, o seu período mexicano.

 

Se os primeiros filmes passaram, fora do México, algo despercebidos, Los Olvidados marcou (e de que maneira!) o renascimento do genial cineasta perante a crítica europeia. Estávamos no ano de 1950. Los Olvidados é um trágico e desesperado retrato da juventude mexicana dominada pela miséria, pela morte e pelo sexo. No filme habitam prodigiosas e terríveis personagens que se alimentam do eterno conflito entre a consciência humana e o fatalismo a que não conseguem escapar. Quase todos são encaminhados para a delinquência depois de expulsos do seio materno onde procuram, de forma desamparada, regressar. Desta obra soberba fica na memória, para sempre, o voto cruel do velho cego quando deseja que fossem mortos todos aqueles miúdos antes da nascença porque, para eles, não existe tempo nem espaço.  

São também do seu período mexicano outros dois dos filmes agora editados em DVD: Susana Demonio Y Carne e Abismos de Pásion.

 

 

Susana é um dos mais subversivos e incendiários manifestos cinematográficos de Buñuel. Dele guardamos a inesquecível metamorfose que uma personagem explosiva e profundamente erótica provoca no ambiente familiar que se vive numa quinta. Entre a fuga e o posterior regresso ao reformatório, a perversa Susana destrói o paraíso inicial e transforma-o num inferno diabólico. E depois ainda temos, como mais-valia suprema, a fantástica objectiva que persegue cada personagem num movimento constante, saltando de cena em cena, plano após plano, numa visão alucinante de perdição, vertigem, medo e emoção.

 

Abismos de Pásion perde, naturalmente, na comparação com Susana mas não deixa, ainda assim, de ser uma excelente e muito livre adaptação do genial Wuthering Heights (O Monte dos Vendavais), célebre romance de Emily Brontë (1818-1848).

O último dos filmes agora lançados, Viridiana, foi dirigido por Buñuel entre 1960 e 1961, quando regressou a Espanha após uma ausência de 23 anos. Viridiana é uma obra-prima tão evidente quanto escandalosa, o que não impediu a conquista da Palma de Ouro no festival de Cannes; o seu escândalo só é comparável ao de L’Âge d’Or.

Viridiana é mais uma esplêndida variação sobre as virgens perversas e muito beatas, numa fabulosa articulação entre castidade, desejo, sonho, mendicidade e loucura. Trata-se de uma obra admirável  e visualmente poderosa.

 

E para terminar esta prosa em jeito de muito resumida biografia, faço apenas uma breve referência ao período final do cineasta. Buñuel associou-se, em 1964, ao argumentista Jean-Claude Carrière e ao produtor Serge Silberman para esculpir os seus últimos oito filmes. Deste lote merecem destaque especial os fascinantes e complexos Belle de Jour e Tristana e o seu testamento final, o prodigioso Cet Obscur Object Du Désir (1977) que é, talvez, o apogeu da sua arte e um dos filmes mais assombrosos de toda a história do cinema. Para Buñuel, o sexo não seria mais do que mera diversão porque essencial era o desejo. Viria a morrer no dia 26 de Julho de 1983.

 

Los Olvidados

 

Viridiana

 

08 de Abril de 2009

 

 

Os Quais, Caído no ringue (o público bem tenta estragar a versão, mas a canção resiste a tudo).

 

publicado por adignidadedadiferenca às 23:30 link do post
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05 de Abril de 2009

 

Ainda a propósito das recentes polémicas sobre o nazismo-fascismo e o Holocausto, nada melhor do que ler este livro:

 

Foi uma sorte para mim ter sido deportado para Auschwitz só em 1944, isto é, depois de o governo alemão, devido à recente escassez de mão-de-obra, ter decidido prolongar a vida dos prisioneiros a eliminar, concedendo sensíveis melhorias nas condições de vida e suspendendo temporariamente as execuções individuais arbitrárias.

Por isso, este meu livro nada acrescenta, no que diz respeito a pormenores atrozes, a quanto já é do conhecimento dos leitores de todo o mundo acerca do tema inquietante dos campos de extermínio. Ele não foi escrito com o objectivo de formular novas acusações; servirá talvez mais para fornecer documentos para um estudo sereno de alguns aspectos da alma humana. Pode acontecer que muitos, indivíduos ou povos, julguem, mais ou menos conscientemente, que «todos os estrangeiros são inimigos». Na maioria dos casos esta convicção jaz no fundo dos espíritos como uma infecção latente; manifesta-se apenas em actos esporádicos e desarticulados e não se constitui num sistema de pensamento. Mas quando tal acontece, quando o dogma não enunciado se torna premissa maior de um silogismo, então, no fim da cadeia, encontra-se o Lager. Ele é o produto de uma concepção do mundo levada às extremas consequências com rigorosa coerência: enquanto a concepção subsistir, as consequências ameaçam-nos. A história dos campos de extermínio deveria ser interpretada por todos como um sinal sinistro de perigo.

Estou consciente, e peço compreensão, dos defeitos estruturais do livro. Ele nasceu, se não de facto, pelo menos como intenção e como concepção, já nos últimos dias do Lager. A necessidade de contar aos «outros», de tornar os «outros» conscientes, tomara entre nós, antes e depois da libertação, o carácter de um impulso imediato e violento, ao ponto de rivalizar com as outras necessidades primárias: o livro foi escrito para satisfazer essa necessidade; em primeiro lugar, portanto, como libertação interior. Daí o seu carácter fragmentário: os capítulos foram escritos não em sucessão lógica, mas por ordem de urgência. O trabalho de coordenação e de fusão foi feito à secretária, e é posterior.

Parece-me supérfluo acrescentar que nenhum dos factos é inventado.

 

Primo Levi, Se isto é um homem. Tradução de Simonetta Cabrita Neto e edição da Teorema.

 

E, já agora, porque não ouvir também a magnífica gravação de homenagem ao trabalho dos artistas internados (e muitos assassinados) em Terezín, que no meio do horror continuaram a sua obra até morrer e, até lá, cantando para viver?

 

 

publicado por adignidadedadiferenca às 01:11 link do post
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