Revistos pelo seu autor em 1969, o conjunto dos poemas de Jorge Luis Borges reunidos nas obras O Fervor de Buenos Aires, Lua Defronte e Caderno San Martin, escritos na sua juventude, foram recentemente publicados pela Quetzal no primeiro volume da sua Obra Poética. Não conseguindo esconder, aqui e ali, algumas marcas da inocência e do excesso de convicções próprios da juventude, os poemas do genial escritor argentino, depois de minuciosamente depurados, isto é, devidamente limados nos seus excessos ou extravagâncias formais, libertados de tudo o que é supérfluo e afastados na medida correta os inconvenientes da sobrecarga de sentimentalismo, não desonram, contudo, o seu autor e revelam até, no seu melhor, a originalidade, o lirismo, o prazer do exercício intelectual, a sabedoria, a serenidade ou a plasticidade da sua escrita, e ainda um par de outras características modernistas do autor, facilmente reconhecíveis no período áureo da sua criatividade e maturidade estética cuja estrutura metafísica convoca para o seu universo literário alguns dos grandes temas universais. Deixo-vos, como exemplo, o poema Manuscrito Achado Num Livro de Joseph Conrad, traduzido por Fernando Pinto do Amaral.
Nas terras que estremecem com o ardor estival,
O dia é invisível, puro e branco. O dia
é uma estria pungente numa gelosia,
uma febre no plaino, um fulgor litoral.
Porém, a antiga noite é funda como um jarro
de água côncava, aberta a infinitos sinais,
e em canoas, perante as estrelas fatais,
o homem mede o vago tempo com um cigarro.
Com o fumo desvanecem-se as constelações
remotas. O imediato perde história e nome.
O mundo é umas quantas vãs imprecisões.
O rio, primeiro rio. O homem, primeiro homem.